domingo, 5 de julho de 2015

O fogo de Curitiba

O líder político mais poderoso do Brasil do século XXI, capaz de ganhar quatro eleições presidenciais em seguida e de se dar muitíssimo bem em praticamente tudo o que quis nos últimos anos, entrou de uma vez por todas num mato fechado. Vai sair, como sempre conseguiu até hoje? Há muito tempo o ex-presidente Lula acostumou-se a saborear o que já foi definido como uma das melhores sensações que um ser humano pode ter: a de atirarem nele e errarem o alvo. Com base no retrospecto, ele espera que sua vida continue assim — mas vivemos um momento em que estão acontecendo coisas que nunca aconteceram antes, e em que se confirma a velha máxima segundo a qual algo só é impossível até tornar-se possível.

O último exemplo a respeito é o terremoto causado pela prisão do empresário Marcelo Odebrecht, presidente da maior empreiteira de obras públicas do Brasil e empresa-símbolo das relações íntimas de Lula com os colossos do capitalismo nacional que recebem bilhões de reais em encomendas do governo. Era rigorosamente inacreditável que um homem desses pudesse ser encarcerado; nunca tinha acontecido antes, e talvez nunca mais volte a acontecer. Quem seria capaz de imaginar uma coisa dessas em nosso Brasil brasileiro? É como se tivessem prendido o papa Francisco. Mas aí está: aconteceu. Lula, de repente, percebe que não pode contar mais com o impossível.

O ex-presidente está lidando com a carga de TNT espalhada à sua volta com o mesmo sistema que utilizou em todas as suas desventuras anteriores: como ficou claro no jato de declarações que decidiu fazer nos últimos dias, ele se defende negando, simplesmente, a realidade que está na cara de todo mundo. O que vai contra os seus interesses não existe, por maiores que sejam as provas em contrário; continua convencido de que o brasileiro gosta muito mais das coisas que ele diz do que das coisas como elas realmente são. Lula, que imagina ser o líder popular ótimo e máximo, como o deus Júpiter, não pode pôr o pé na rua, com medo de ser vaiado pelo povo de seu país. Não pode dar uma entrevista livre à imprensa, com medo das perguntas que vão lhe fazer. Está mais do que provado que em seu governo, e no governo da sua sucessora, a população foi roubada pela maior onda de corrupção dos 500 anos de história do Brasil.

O tesoureiro do seu partido está num xadrez em Curitiba. Tem a companhia, ali, de empreiteiros de obras que há anos presenteiam o ex-presidente com viagens em jatinhos particulares, utilizaram seus serviços como promotor de vendas, pagaram-lhe milhões de reais em troca de palestras e mantêm com ele uma intimidade tão completa a ponto de lhe darem o amável apelido de “Brahma”. Lula é responsável direto pela invenção de Dilma Rousseff, que está a caminho de tornar-se a pior presidente que este país já teve. Advoga, em público, a favor de diversos dos mais sinistros ditadores do planeta — e por aí segue a procissão. Mas ele parte para sua defesa, mais uma vez, agindo como se tudo isso estivesse acontecendo em alguma galáxia perdida no fundo do universo. Ou, se está acontecendo aqui, o único que não tem nada a ver com a história é ele mesmo.

De quem seria a culpa, nesse caso? Eis uma questão em que o ex-presidente não se aperta; ele é um grande especialista em fuzilar feridos para salvar a si mesmo. Na sua atual ofensiva, e logo de cara, não teve o menor problema em sair acusando o governo Dilma, na esperança de misturar-se aos 65% de brasileiros que acham ruim ou péssimo o desempenho de sua criatura. A presidente, descobriu Lula, está no “volume morto” — como se ele não tivesse responsabilidade nenhuma por nada do que está dando errado. O PT, que vai tão mal quanto Dilma, foi denunciado por “pensar só em cargos” e os petistas por não fazerem “nada de graça” — como se ele não cobrasse pelos serviços que presta aos empreiteiros. Culpou o ódio cada vez maior que existe contra o partido — como se ele não fosse o produtor número 1 do rancor na política brasileira. Acusou o governo Dilma de não fazer nada, com seu “legalismo”, para combater a ação da Justiça nas investigações de corrupção — e o que queria que fosse feito? Não existe a menor ligação disso tudo com a verdade dos fatos, é óbvio. Fica apenas uma soberba sem limites, hoje transformada num vício do qual Lula parece incapaz de se livrar.

Lula precisa fazer mais do que repetir a mesma missa. O fogo de Curitiba, com o correr do tempo e a coleta de provas, deveria estar cada vez mais longe dele. Está cada vez mais próximo.

Corda bamba

Governo vegetal

Acho que é de Caetano Veloso uma música que diz que “alguma coisa está fora da ordem mundial”. O Brasil está, no mínimo, desacorçoado, sem rumo e sem meios para encontrar caminhos.

Dona Dilma, a terrorista de outrora, depois de um tratamento para emagrecer, parece que se deu mal com algum remédio, quem sabe um “anomirineronético”, que com esse nome pode ter provocado um efeito rebote ou empenado de vez “as suas ideias”…

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Falando para um pequeno público que a aplaudia, lascou esta pérola: “Hoje nós estamos comungando a mandioca com o milho e certamente nós teremos uma série de outros elementos que foram essenciais para o desenvolvimento das civilizações ao longo dos séculos. Acho que a mandioca é, sem dúvida, uma das maiores conquistas do Brasil”. E, com ar professoral, mostrou uma bola feita de folhas de bananeira e solenemente proclamou: “Quando nós criamos uma bola desta, nós nos transformamos em homo sapiens ou mulheres sapiens”.

Bem, eu nunca pensei nisso. Sempre considerei a mandioca comida de jegue… Parece o samba do crioulo doido, do inesquecível Sérgio Porto, mais conhecido como “Lalau Ponte Preta”, que descreve como Chica da Silva obrigou a princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes, e este, depois de eleito como Pedro II, procurou o padre Anchieta, e, juntos, Anchieta e Dom Pedro proclamaram a escravidão.

Numa entrevista neste último fim de semana ao jornal norte-americano “The Washington Post”, a presidente, em resposta ao jornalista que havia perguntado qualquer coisa sobre dificuldades do seu governo pelo fato de ser mulher, respondeu: “Há, sim, um pouco de preconceito sexual na forma como é descrita a minha forma de governar…” Parece até que só pensa naquilo, como diria o saudoso Chico Anysio em um dos seus personagens.

Às vezes, penso que Dona Dilma sofre de um tipo de “daltonismo político” e enxerga verde o que é vermelho… Será que – numa boa – não é hora de uma interdição? Há muito tempo, e lá se vão mais de 50 anos, quando estudava direito romano, me lembro de qualquer coisa, no capítulo da curatela, que enquadrava isso como “cura furiosi”.

Sei não, mas a América do Sul precisa prestar atenção em alguns casos de insanidade mental que estão passando para a opinião pública como sendo característica dos novos tempos, quando, na verdade, trata-se de assunto muito mais sério, para o qual a providência própria seria a curatela.

Enquanto dona Dilma fala aqui, com ar superior, na importância da mandioca para o mundo e a saúda como se estivesse enaltecendo uma criatura humana, na Venezuela, um presidente que se chama Maduro diz conversar com um passarinho que lhe transmite notícias e ordens do finado Chávez. Já no Uruguai, o simpático Pepe Mujica libera maconha, anda num Fusca do século passado e vive às avessas, como diria o Juca Saco dos bons tempos da nossa Salinas. Como pano de fundo, a operação Lava Jato segue, afligindo os ex-confortados…

Caindo na real

Chego ao Brasil. Pego táxi de cooperativa no Aeroporto Internacional Tom Jobim, nosso sempre velhusco Galeão, no Rio de Janeiro. Puxo conversa com o taxista. Seu nome não é revelado, por motivos óbvios. Ele não sabe que sou jornalista. O desabafo dura a corrida inteira.

“A economia tá parada, só um ou outro avião vem cheio. Nossa economia vive da corrupção. Sem propina, paralisa. Meu faturamento caiu 40%. Tínhamos na cooperativa um contrato com a Odebrecht. Foi cancelado agora. Tudo aqui neste país você precisa dar 10% a mais. Eu tinha de pagar também para a Odebrecht. Nossas corridas eram todas superfaturadas para o diretor que pegava o táxi levar o dele.”



“E a violência? Tá aqui em cima, olha (indicando o painel do carro, junto à janela), bem à vista, meu celular falso, para eu dar pra vagabundo. Todo dia tem algum arrastão na Linha Vermelha. Na minha casa, no Méier, não posso esperar o portão da garagem abrir para eu entrar. Já tive três carros roubados assim, à mão armada. Três.”

“Recuperei os carros roubados, mas tudo depenado. E não são os bandidos que depenam não. É a polícia. Eles tiram, antes de devolver, o tal kit PM. Rodas, rádio, tudo o que der para tirar. E a gente, para recuperar, precisa pagar à polícia a taxa de resgate. E a mídia não fala nada disso. Só sabe mesmo quem tá na rua, trabalhando.”

“Depois as autoridades vêm me falar das UPPs. Isso aí ninguém quer. Nem os bandidos nem os policiais. Tenho um sobrinho que saiu do Exército e não quer ficar em UPP. O que ele diz é: ‘Tio, nós somos humilhados ali. Jogam água, jogam mijo na gente. Não podemos dar um tiro que a gente vai preso. Ficamos ali só gastando combustível e enxugando gelo’.” 


“Isto aqui, se não ficar igual à China, não vai dar certo. Tem de ter uma ditadura rígida, pena perpétua, morte. Se os caras não ficarem com medo, vão continuar. Tem corrupção em tudo que é lugar. No Detran, nas delegacias, nos batalhões, nos hospitais. E o governo leva também o seu, por trás de toda essa engrenagem. Isso não vai acabar nunca. A não ser que a gente adote a seguinte regra para todo mundo: escreveu, não leu, o pau comeu.”

O taxista está revoltado. Com a Odebrecht, com a PM, com os governos, com os bandidos. É duro ouvir. Nem falo nada. Não adianta.

Lá de fora, acompanhamos a novela atual de maior audiência, o petrolão. Mais ex-diretores da Petrobras no xilindró. Prejuízo da corrupção sobe aos píncaros, R$ 19 bilhões. Surgem golpes simplórios contra quem mais necessita: promessas falsas de emprego, tirando R$ 20 de um, R$ 50 de outro. Os sanguessugas pagam fiança e respondem em liberdade. Assaltos a banco, tiroteios nas favelas, falência de empresas, novos aumentos de combustível e luz.

Lula atordoado, atacando Dilma. Dilma atordoada, atacando delatores. Congresso atordoado, vaivém na redução da maioridade penal. E toma mais provocação do Senado – aprovado o reajuste de 59% a 78% para os servidores do Judiciário, com impacto de R$ 25,7 bilhões nos cofres públicos. Eduardo Cunha e Renan Calheiros, os populistas cavaleiros do apocalipse, se unem por um único credo: hay gobierno, soy contra. Veta, Dilma, veta.


Enquanto isso, a mãe dos pobres resolve economizar R$ 8 bilhões em cima do abono salarial, devido neste semestre a quem ganha até dois salários mínimos. Devo, não nego, pago quando puder. Tudo pelo ajuste, para fechar as contas em 2015. Injusto.

Continua a esquizofrenia do país duplo. De um lado, ferro na iniciativa privada, desestímulo a quem quer abrir um negócio, burocracia enlouquecedora, impostos altíssimos cobrados de quem produz e sem beneficiar o povo. Do outro lado, benesses para servidores públicos, que já dispõem de aposentadoria integral e vitalícia.


O que mais choca, no entanto, é a miséria de nossa Educação. O relatório do Movimento Todos pela Educação é desolador. Mais de 2 milhões de crianças ainda estão fora das escolas. Em regiões carentes, as escolas são precárias, e o ensino de baixa qualidade. Entre 15 e 17 anos, 1,6 milhão abandonam os estudos. Só 9,3% dos que concluem o ensino médio sabem matemática. Só 27,2% dominam o português. Na outra ponta do ensino, a maior universidade federal do país, a UFRJ, com greve e obras paradas por corte de verbas, ameaça fechar em setembro, sem condições de pagar por limpeza, segurança, portaria.

Só confiarei num presidente que mude essa tragédia, de verdade. Uma maciça parcela da população (e não é a elite) quer hoje pena de morte, armas, ditadura e se lixa para direitos humanos. Também é resultado de falta de Educação. Cair na real não precisa ser cair no abismo. Acorda, Brasil. 

O pregador de verdades


Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).
Falou da injustiça de uns terem dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer.
Ou se é só fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 


O alarme de Luiz Inácio


A lógica na esfera política brasileira se alimenta de uma equação: a conquista do poder pelo poder. O verniz ideológico nos vãos de nossa democracia representativa se desmanchou na poeira do tempo.

Se alguém ainda conservava dúvida sobre a existência de DNA doutrinário no sangue de algum dos nossos entes partidários, por exemplo, o PT, que sempre ergueu a bandeira do socialismo, acaba de desfazê-la ao ler as últimas confissões do comandante maior de suas tropas, o ex-presidente Luiz Inácio: os petistas só querem saber de cargos, o PT perdeu sua utopia, está no volume morto, bem como o governo Dilma e ele mesmo.

O que isso quer significar?

É bastante conhecida a verve de Lula como palanqueiro. Nele, os antagonismos se irmanam, a ponto de confundirmos o verbo a favor com o verbo contrário, ponto e contraponto, defesa e ataque.

Não é de admirar, portanto, que as últimas expressões de Lula sobre o PT seus companheiros mais pareceram peroração contundente de líder oposicionista, engajado na guerra para despejar mais lama sobre a imagem combalida do partido.

Luiz Inácio, porém, sabe medir as coisas. A palavra amarga que tem usado é, antes de tudo, um puxão de orelhas nas lideranças e comandos que disputam fatias de poder no governo, desde que o petismo ganhou o primeiro mandato em 2002.

Nos últimos anos, o partido viu acirradas as disputas entre alas e grupos, cujos horizontes programáticos foram trocados por benesses e mandos na máquina da administração. Com exceção de uma ou outra ala, de índole mais radical, todas as outras foram atraídas pelo gozo do poder.

O desabafo de Lula se direciona também às bases. O ânimo da militância petista perde ímpeto sob o tiroteio que atinge o partido desde o mensalão, quando se denunciou a “cooptação desonesta” de parlamentares em troca de apoio ao governo.

Parte das milícias petistas tem resistido aos ataques dos exércitos dispersos da oposição, mas tem sido visível o amortecimento de uma base partidária que recebeu, ao longo das três décadas de vida do PT, um caldo ideológico, algo como mistura de valores éticos e princípios morais, crença no socialismo, mudanças na política, defesa dos direitos humanos, reforma política etc.


A atração fatal pelo refúgio nas asas do Estado acabou rasgando o manto diáfano que o PT desfraldava como exclusividade sua.

O longo duto que conecta o mensalão ao petrolão – Operação Lava Jato – acaba engolfando todo o petismo, a ponto de merecer de seu inspirador e fundador principal, Luiz Inácio, o mais veemente apelo por uma “volta às origens”.

A guinada à esquerda que o ex-metalúrgico pretende liderar seria o contraponto à guinada conservadora que se instala no país. Ele sabe, porém, que, antes disso, precisa arrumar as parcerias. Correu à Brasília para tentar segurar as bases junto ao Governo, a partir do insatisfeito PMDB, que dita a agenda nacional.

Lula receia que uma frente de esquerda formada pela corrente Mensagem ao Partido, liderada por Tarso Genro, siglas mais à esquerda, como PSOL e uma ala dissidente do PSB, possa esmaecer seu perfil de líder maior.

Essa movimentação está em curso e, a depender da evolução da economia e da política, nos próximos meses, poderá se fortalecer ou mesmo perder impulso. Ora, enxerga-se clara manobra do ex-governador gaúcho para arrefecer o poder do lulismo sobre as hostes petistas. Essa é outra abordagem que explica as metáforas do ex-metalúrgico.

Por último, a trombeta que Luiz Inácio começou a usar com intensidade, nas últimas semanas, funciona como um sistema de alarme ante um artefato poderoso que ameaça cair nos arredores de seu Instituto, digamos sua eventual retenção para efeito de depoimento, sob o holofote que o juiz Sérgio Moro tem usado e cujo simbolismo - “erga omnes” - quer demonstrar que a lei é para todos.

O palavrório funcionaria, nesse caso, como convocação da militância, estratégia para juntar as partes quebradas dos desvãos petistas e injetar sangue nas veias das galeras que ainda têm disposição de ocupar as ruas. O fato é que, a cada semana, os dutos da Petrobras chegam perto dos comandos do PT. Lula parece perdido, sem saber ainda o rumo a tomar.

A presidente passa a ser alvo do verbo ácido da mídia, com sua homenagem à mandioca e a estupenda criação das “mulheres sapiens”.

O lulopetismo passa por sua maior prova depois de três décadas. Poderá até não morrer, mas está na UTI. Sua maior expressão vai para o canto do ringue, tentando se desvencilhar de um adversário portentoso, treinado nas artes, ou melhor, nas letras jurídicas, o juiz do Paraná.

Qual o remédio que poderá salvá-lo?

A fórmula medicinal da bula da economia, chamada BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso satisfeito, Barriga cheia, Coração emocionado, Cabeça agradecida. Nesse caso, a médica será sua pupila, dra. Dilma Rousseff. Mas a recuperação não será este ano. Teremos um segundo semestre pior que o primeiro. E, por enquanto, não se enxerga luz no fim do túnel.

P S Nessa sexta, Lula virou a página do alarme e passou a defender Dilma, ao dizer que a crise política não é da responsabilidade dela. Garantiu que ela vai arrumar o Brasil. Quem ainda acredita nisso?

Do túnel do tempo

Era doce e se acabou


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já não é mais o mesmo. Pouco parece ter sobrado do hábil hipnotizador de plateias. Na sexta-feira, durante a 5ª Plenária Nacional da Federação Única dos Petroleiros, nem o macacão laranja - figurino que já usara em 2006 para anunciar, de mãos sujas de óleo, a autossuficiência de petróleo que nunca veio - conseguiu salvá-lo.

Reuniu pouco mais de uma centena para ouvi-lo mandar a sua pupila Dilma Rousseff ir para as ruas, enquanto ele só tem falado sob a proteção de quatro paredes. E entre amigos. Desta vez, no auditório da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, em Guararema (SP).

Como de costume, o objetivo era colocar-se como vítima e defensor exclusivo da Petrobras, da qual o seu governo e o de sua afilhada fizeram gato e sapato. “Se quiserem um brasileiro que tem orgulho da Petrobras, eu estou aqui.”

Se caráter tivesse, se diria envergonhado. Pediria desculpas.

Empresa que já ocupou o oitavo lugar entre as maiores do mundo, a Petrobras viu seu valor e sua credibilidade despencarem nos quatro últimos anos. No ranking da revista Forbes divulgado em maio, caiu da 30ª para a 416ª posição. Postergado por meses, o balanço auditado da companhia apresentou prejuízo de quase R$ 22 bilhões em 2014, o maior de uma empresa brasileira de capital aberto desde 1986. E, confessamente, escrito lá no balanço, mais de R$ 6 bilhões foram perdidos para a ladroagem, cifra que a Polícia Federal considera timidíssima. A PF calcula, por baixo, que a corrupção comeu R$ 19 bilhões da estatal. Um rapa sem igual.

Não foram poucas as histórias da carochinha contadas pelo ex-líder das ruas.

Falou do mau humor que domina o noticiário, protestou quanto ao tratamento que recebe e, sem indicar os protagonistas, reclamou do que diz ser vazamento seletivo da Lava-Jato, rebatendo na tecla de que querem acabar com o PT.

Perdoou a Dilma que ele disse ter mentido ao Brasil durante a campanha eleitoral, rogando a Deus para que ela não perca a tranquilidade.


Insistiu na ladainha de que o cenário internacional é responsável pela crise brasileira e escancarou um pecado desconhecido por seus torcedores: a fórmula utilitária com que sempre tratou a massa que até há pouco tempo ele inebriava. “Nas horas mais difíceis, não tem outra alternativa a não ser encostar a cabeça no ombro do povo e conversar com ele”, ensinou. Uma lógica que não deixa dúvidas quanto aos momentos em que para ele o povo importa.

Lula é guloso. Saboreia o poder com prazer infinito. Lambuzou-se o quanto pode. Mas é também um sobrevivente. Sempre soube se reinventar.

Como presidente da República, pediu perdão aos brasileiros pelo mensalão. Ao deixar o cargo, negou a existência do que até a Lava-Jato era tido como o maior escândalo do país, afirmando que até o resto de seus dias brigaria para provar que tudo não passara de armação. Impingiu a neófita Dilma e foi vitorioso. Fala mal dela, puxa-lhe o tapete para afagá-la no dia seguinte.

Joga todos - o PT, Dilma e ele próprio - nas profundezas do volume morto, para tentar sair de mãos limpas.

Tenta imaginar-se como uma fênix, capaz de renascer das cinzas. Mas até Lula parece saber: seu encanto se quebrou.

O que é, o que é?


Tem patas de um elefante, tronco de um elefante, cabeça de um elefante, presas de um elefante e não é um elefante? Vai pensando aí enquanto a gente explica o outra metade da aula de massinha para dissimulados e afins. Toda a esquerdalhada do país se engajou num imenso esforço patético de dourar a pílula. Segundo os párias e colegas do crime sem castigo, “os ideais da esquerda estão sendo conspurcados por uma quadrilha de bandidos comuns”. É mesmo, cara pálida? Conta agora a do papagaio.

Uma presidente que se desmanchou em si mesma como purê de mandioca brava, cacarejando seus mantras e visões do apocalipse enquanto enfiava os docinhos da festa infantil no bolso não me parece uma ruptura de um sistema apodrecido de véspera e uma forma de dar corpo e alma ─ ambos podres – a uma mentalidade que se esforça em subir pelo atalho. Os caras detonaram as leis, a decência, a ética e a liberdade ensaiadas neste país imberbe tão somente para fazer de otária uma sociedade inteira, pagante e não reclamante de uma verdadeira orgia feita com o nosso dinheiro público bem diante de nossos olhos, narizes e bocas caladonas para o malfeito, mal parido e mal pago sistema político brasileiro.

Ensaiam hoje um tímido parlamentarismo parlapatão, muito mais pela vertente presidencialista dos detentores do poder no Congresso que pela conclusão pura e simples de que presidencialismo, reeleição, urna eletrônica sem fiscalização, oposição de quatro para o realismo fantástico que nos assola são tão somente as notas trôpegas de uma mesma música indecente, que já dói nos ouvidos. Já me esgoelei por aqui de olhar o tabuleiro a uma distância segura e ver que todas as suas peças executam um balé esquisito, que cabe mais como uma luva nos ideais idiotas da estrabaria de esquerda que temos por aqui que na defesa honesta de nossos preceitos democráticos e de nossa liberdade de ir e vir e mandar um pé no traseiro bem dado em toda essa escumalha que nos desgoverna.

Em que pese o fato de que a sociedade lentamente se dá conta que lhe passam a mão nos fundilhos sem pudor nem complacência, é de se esperar que em algum momento essa mesma sociedade se encha até a tampa de Marilenas Chauís patrocinadas pela anta, Suplícios cantando blowin’ my balls in the wind de cueca vermelhinha e ministros Edinhos cacarejando inocência, com o bolso cheio de docinhos da mesma festa onde a camarada Wanda surrupiou os brigadeiros. Fala serio. É uma quadrilha que está no poder, meus amigos.

Tem patas de quadrilha, tronco de quadrilha, cabeça de quadrilha e só não vê quem não quer a verdadeira natureza desse ajuntamento de bandidos. Os meliantes se organizaram para nos rapinar, em nome de uma tal infraestrutura que os caras foram superfaturar na África, em Cuba, na Venezuela e em outros potentados da mesma camorra aboletada no tal Foro de São Paulo e cercanias. É um golpe sem vergonha. Um golpe que conta com o compadrio, a omissão, a covardia e a enganosa elegância destes nobres cúmplices esquerdos de tabuleiro, blindando a dona de seus próprios desatinos enquanto procuram um substituto da mesma esquerda calhorda para apaziguar as coisas e continuar a dança picareta.

Para quem ainda não entendeu, o que tem patas de elefante, cabeça, tronco e presas de um elefante sem sê-lo por completo é o ESQUELETO DE UM ELEFANTE. Justamente o que vai sobrar em nosso lombo se essa gente não for apeada de onde se aboletam, roubando porcamente o nosso futuro. Eu quero é ver o oco, dona dilma. Sua mandioca definitivamente está assando.

Vlady Oliver

Ladrão lá em casa

Depois que o ladrão tentou entrar lá em casa pela porta dos fundos, que dava para o pátio, tive  noites mal-dormidas, deixando minha mãe preocupada. Ela não sabia mais o que fazer para tirar aquela ideia de minha cabeça que insistia em me dizer  que o ladrão podia de novo  tentar entrar lá em casa, a qualquer hora da noite,  quando todos estivessem dormindo. Foi na época das eleições municipais que o ladrão tentou arrombar a porta dos fundos, forçando-a várias vezes. Acordei sobressaltado com os tiros que meu pai desferiu com o revólver na porta que o ladrão estava forçando.

– Os tiros vararam a porta. O ladrão teve muita sorte. Por incrível que pudesse parecer não foi atingido por uma bala – disse meu pai ao vizinho no outro dia.  Saiu correndo apavorado pelo pátio estreito, dando um salto ligeiro feito macaco para alcançar o muro que separava nossa casa do quintal do vizinho, nos fundos.

Falei aos amigos como o pai tinha enfrentado o ladrão. Contei que não tive medo em nenhum momento quando acordei com os tiros que meu pai desferiu contra o bicho. Disse que peguei no cabo da vassoura, fiquei abaixado  atrás da mesa, à espera da hora certa para bater nele, caso os tiros desferidos por meu pai não atingissem o bandido e ele conseguisse entrar lá em casa. Claro que não ia deixar que o monstro ferisse meu pai ou minha mãe com alguma faca. Estava disposto a  dar uns socos bem fortes e quebrar o nariz dele, como uma vez vi no filme Roy Rogers fazer quando prendeu  o bandido, depois de lhe aplicar  uma boa surra.

A pior hora do dia agora era quando anoitecia. A sombra do ladrão acompanhava-me por todos os cantos da casa. Recolhia-me inquieto ao quarto para dormir. Não conseguia pegar no sono e, quando cochilava, acordava sobressaltado, chamando minha mãe para ficar junto de mim. Falava do meu quarto que o ladrão estava forçando a porta dos fundos, querendo entrar na sala. Ela vinha até o quarto para me acalmar, dizendo  que tudo era impressão minha, o ladrão nunca ia voltar para tentar entrar lá em casa outra vez depois do perigo que passou.

Minha mãe resolveu me mandar passar uns dias com  tia Bebé, em Ilhéus, cidade vizinha, que tinha praias belíssimas. Um porto ativo com embarcações entrando e saindo pelo canal. E até navio com bueiro que soltava fumaça quando estava atracado no porto. Apitava quando estava saindo ou entrando na baía. Era bonito de escutar e ver o navio apitando feito um bicho enorme do outro mundo.

Regressei  duas semanas depois. Fiquei sabendo que a caneta Park de meu pai, sumida antes de o ladrão tentar entrar lá em casa, foi achada no pátio. Minha mãe estava varrendo a terra dos vasos de planta  que o ladrão havia quebrado na fuga. Meu pai ficou surpreso, como minha mãe, quando viu a caneta Park. Ninguém falava mais em seu sumiço, ocorrido lá em casa no mês de junho. Suspeitava-se  de que tinha sido roubada pela empregada Francisca.

Meu pai contou ao delegado como a caneta Parker havia aparecido  no pátio depois da fuga do ladrão. O delegado Arnaldo Gigante soltou uma boa  risada quando acabou de saber todos os detalhes do aparecimento da caneta. Sabia que uma coisa estava ligada ao ladrão. A sorte estava ajudando-o a pegar de uma só vez dois coelhos naquela caçada.  Ele conhecia o marido da empregada, um ladrão perigoso, com várias entradas na delegacia. Daí chegando-se  até o bandido, o delegado deu uns apertos nele para que confessasse tudo, o que  não foi difícil.

O ladrão declarou que queria entrar lá em casa para roubar várias coisas e se vingar de meu pai e minha mãe pelo roubo frustrado da caneta Parker. A mulher dele tinha roubado a caneta quando minha mãe foi para a  novena na igreja de Santo Antônio, no mês de junho, e meu pai estava jogando sinuca no bar. Dias depois, ela ia sair com a caneta Parker enfiada no sutiã quando chegou o soldado Hilário. Com medo de tudo ser descoberto naquele momento, ela tirou a caneta escondida no sutiã, enfiando-a apressada em um dos vasos de planta junto ao muro..

Fiquei contente com a descoberta  do ladrão, que foi  recolhido à cadeia  pelo soldado Hilário. Embora já  tivesse  esquecido que um ladrão perigoso, marido de uma ex-empregada, uma noite quis entrar lá em casa. Tirou-me o sono várias  vezes seguidas e, no seu lugar, trouxe-me a noite circulando pelos cômodos  com suas sombras vagarosas.

Maioridade penal: a discussão que faltou


Parte de um pressuposto incompleto, para não dizer desonesto, o debate sobre aredução da maioridade penal capitaneada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na tribuna onde deputados beijam a cruz e juram aos deuses estarem preocupados com a nossa segurança, triunfava o discurso comum de que nossos jovens são aberrações agressivas que precisam de medidas corretivas para não mais perturbarem a paz de nossas cidades e nossos lares.

Isolada a passionalidade do tema, qualquer eleitor atento poderia se questionar: Qual paz, cara pálida?

Sem entrar no mérito sobre efetividade do endurecimento da lei – já que esta discussão é levantada, ao menos no Congresso, sem base empírica, estatística ou pesquisa de campo sobre a chamada delinquência juvenil – é preciso dizer que se algo ficou claro na forma como foram conduzidas as discussões é que padecemos de uma total incapacidade de refletir sobre nós mesmos e nos assumir como uma população fundada e desenvolvida na violência. Isso não é privilégio de uma juventude aparentemente imune a punições.

Desculpem os puristas, mas selo de nação pacífica, adepta da negociação, do jeitinho, da cerveja e do churrasco ao fim da briga é uma lenda. Este selo não explica por que os moradores de um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza praticaram, num ano, mais de 50 mil homicídios – sendo a maior parte das vítimas descendentes de escravos e ex-escravos de um país que nega a reconhecer, e consequentemente combater, o próprio racismo.

Quando debruçamos seriamente sobre esses números, e descobrimos que parte desses crimes não só não foi solucionada como foi acobertada pelos próprios agentes de segurança envolvidos até a medula na política de extermínio, percebemos, então, que os deputados não passaram nem perto de apresentar qualquer solução para nossos males.

Não se trata de debater a índole de policiais treinados para o confronto, mas de refletir minimamente sobre uma política de segurança que transforma seus agentes em bedéis de faculdade no centro das cidades e em bucha de canhão de uma guerra às drogas fadada ao fracasso nas periferias onde sobram bares e faltam escolas. Mas essa máquina de moer gente, do qual os policiais são também vítimas, parece longe do radar de governadores e parlamentares.
“Mais presídios, menos escolas”, pedem, em tom de zombaria, os justiceiros, escribas e doutores da lei de um país já suficientemente esfacelado. As construtoras e fabricantes de armamento agradecem a preferência.

Fato é que, quando o diagnóstico é baseado numa violência que isola o "mal maior" de outros males, ela nos exime da responsabilidade de compreender e transformar as bases da nossa hostilidade. Por exemplo, condenamos o estuprador, mas achamos normal que homens pobres ou ricos, jovens ou velhos, julguem, exponham e tratem suas mulheres como posse ou objeto sem qualquer distância ou consentimento entre corpos e desejos. Por isso não somos capazes de entender e debelar as violências praticadas, no cerne da família, por pais, padrastos, amigos e conhecidos contra as próprias filhas. Pois é mais fácil acreditar que o meliante é um alienígena criado longe dos nossos domínios, e não o vizinho de boa instrução que se gaba por embebedar e constranger, pela vergonha do dia seguinte, as suas vítimas.

Da mesma forma, assistimos diariamente jovens serem constrangidos, excluídos e apedrejados desde cedo por conta de sua orientação sexual. Essa agressividade provoca sofrimento, angústia, depressão e exclusão, e se desenvolve sob os olhares complacentes de nossas autoridades mais próximas, muitas delas instaladas no ambiente escolar. Pois a solução para acabar com essa violência é...proibir que professores possam refletir e discutir sobre ela.

Na escuridão, fica difícil até tatear nosso cinismo. Compreender e jogar luz sobre nossas contradições mais enraizadas exigem a dispensa de qualquer purismo ou esforço retórico para definir que de um lado existem pessoas de bem e, de outro, meliantes que furaram o pacto da boa convivência. Esse pacto está furado de velho e tem a hostilidade como raiz. Refletir sobre ela talvez nos leve a perceber que até mesmo o conforto do nosso lar é também resultado de uma agressão.

“Vivemos um período terrível”, diz a enfermeira do filme As Invasões Bárbaras, de Denys Arcand, enquanto atende o professor de história interpretado por Rémy Girard. “Mais ou menos”, responde o personagem. “No século 16, portugueses e espanhóis conseguiram, sem câmeras de gás nem bombas, fazer desaparecer 150 milhões de índios da América Latina. Deu trabalho, irmã: 150 milhões de mortos a machadadas. Mesmo com o apoio da sua igreja, foi um grande feito. A ponto de holandeses, alemães, ingleses e americanos se sentirem inspirados e massacrarem mais 50 milhões. Um total de 200 milhões de mortos. O maior massacre da humanidade foi aqui ao nosso redor. A história da humanidade é a história do horror”, diz.

Conflito por terra, grilagem, pistolagem, negociatas, políticas higienistas, desmate, assoreamento, despejo irregular de lixo, restos, dejetos: por aqui, por onde caminhamos não há um centímetro de espaço que não tenha sido ocupado sem algum tipo de agressão ou coerção. A começar pelo genocídio de nossos índios ainda hoje. Ou a expulsão de comunidades inteiras que atravancam a passagem do progresso, como aconteceu nas cidades-sede da urgente Copa de 2014.

O resultado são cidades entupidas, tomadas por asfalto, concreto, buzinas, gases poluentes, espaços públicos privatizados, muros, cercas eletrificadas, gritos, berros, neuroses, ameaças contra vizinhos, briga pelo estacionamento. Por trás da nossa agressividade está um modelo de desenvolvimento que, diante de tanta escassez, derrubou, explorou e consumiu tudo até a última ponta, do pau-brasil ao minério, da água da barragem aos cofres públicos e privados. Nosso medo de perder a vez na fila nos transforma em autômatos incapazes de pensar em quem vem depois. Todo o resto é conquistado no grito, e basta ver o nível de estresse de uma partida de futebol, na qual é preciso pressionar, ofender e constranger árbitros, juízes, bandeirinhas, jogadores, torcedores e animadoras de torcida para obter a vitória a todo custo.

Por aqui, agredimos quando contrariados.

Agredimos quando temos medo.

Agredimos quando ouvimos contrapontos.

Agredimos para fugir da agressão.

Agredimos quando ensinamos que, para sobreviver, é preciso agredir.

Agredimos e agredimos.

Agredimos porque, no fundo, somos covardes, e nossa covardia nos impede de nos assumir como uma nação violenta. E quanto mais fugimos deste confronto, menos nos entendemos. Quanto menos nos entendemos, mais agressivos ficamos. Quanto mais agressivos, mais leis criamos.

Essas leis podem ter a melhor das intenções, mas desacompanhadas da disposição para compreender e analisar nossa própria perversidade, seguiremos o que sempre fomos e temos sido: um país que se mata aos montes.