quarta-feira, 22 de março de 2017

É a corrupção, estúpido!

Em vez de partir para o confronto com a Polícia Federal, a qual acusa de ter agido de forma desastrosa na Operação Carne Fraca, o governo deveria se concentrar em suas ações para dar maior transparência ao setor de frigoríficos, que está sob suspeita de vender carne podre no país e no exterior. Por mais que tenha havido excessos na ação policial, está claro que há muita coisa errada, sobretudo no Ministério da Agricultura, que vem sendo usado por consecutivas administrações como moeda de troca nas negociações com partidos políticos. O loteamento de cargos estratégicos da pasta facilita a ação de empresas que têm por hábito atuar às margens da lei. A corrupção corre solta.

O envolvimento de 33 fiscais nas fraudes que permitiram que carne estragada fosse consumida, inclusive em merendas escolares, é só mais um capítulo no histórico de irregularidades do Ministério da Agricultura. Uma leva de ministros já caiu depois de eles serem pegos em negócios nada republicanos. Mas é nas superintendências regionais, rateadas entre os partidos, onde a farra da corrupção está entranhada. Os indicados políticos transformaram os órgãos em balcão de negócios. Muitas das gravações feitas pela PF dentro da Operação Carne Fraca, que estão sob sigilo de Justiça, comprovam bem os crimes cometidos contra a população, que vem sendo ludibriada não apenas na hora de comprar carnes.

Se realmente estiver disposto a fazer um bem para o país, o governo deveria usar o episódio dos fiscais corruptos do Ministério da Agricultura — os superintendentes de Goiás e do Paraná já foram afastados — para limpar órgãos estratégicos das indicações políticas. As agências reguladoras, por exemplo, que deveriam fiscalizar a prestação de serviços fundamentais, como energia elétrica, medicamentos, telefonia e planos de saúde, estão mais preocupadas em atender os pleitos das empresas do que em fazer valer os direitos dos consumidores. Nenhum dos favores que as agências prestam a seus regulados sai de graça. Muito pelo contrário. Infelizmente, corrupção e política andam juntas.

O governo diz que o estrago provocado pela Polícia Federal sairá caro para o país, sobretudo por causa da redução das exportações diante dos embargos impostos à carne brasileira por países como China, Chile e Coreia do Sul. Nada disso, porém, estaria acontecendo se os frigoríficos — entre ele, os gigantes JBS, dono das marcas Friboi e Seara, e BRF Foods, proprietário da Sadia e da Perdigão — não tivessem transgredido as regras. Ao se aproveitarem do balcão de negócios aberto pelos políticos que tomaram de assalto o Ministério da Agricultura, as empresas sabiam dos riscos que estavam correndo. Mesmo assim, pagaram para ver. Só que, em algum momento, a bandalheira seria descoberta. E foi.

De nada adianta o governo e os frigoríficos dizerem que, se houve desvios, eles foram localizados e se concentraram em um número muito pequeno de unidades produtoras. O correto, principalmente, em se tratando de saúde pública, é que nada de irregular fosse cometido. Para o embaixador Rubens Barbosa, independentemente do tamanho dos problemas, se realmente quiser estancar a sangria provocada pela Operação Carne Fraca, o governo precisa agir muito rápido para dirimir todas as dúvidas e dar transparência a tudo o que está sendo feito para garantir maior segurança aos consumidores, tanto os do mercado interno quanto os do exterior. “É preciso atuar imediatamente”, avisa.

O fato de o governo ter proibido os 21 frigoríficos suspeitos de irregularidade de exportarem seus produtos até que tudo seja esclarecido já foi um passo importante, acredita o embaixador. Ele ressalta que a qualidade da carne brasileira é reconhecida em todas as partes do mundo. Não à toa, o Brasil é o maior exportador do produto. Agora, diante de tantas suspeitas, é preciso entregar a melhor informação aos consumidores. Mostrar, de forma crível, que não há riscos à saúde, que o processo de produção de carnes e de embutidos segue as normas mais rígidas possíveis.

Especialista no mercado agrícola, o economista Carlos Thadeu Filho, sócio da consultoria MacroAgro, recomenda ao governo que aperte a fiscalização em todo o mercado de carnes. Há informações de que pelo menos 40% dos produtos consumidos no país não passam por qualquer tipo de controle. As carnes sem registro são consumidas, especialmente, no interior do país. No entender dele, o aperto sobre os grandes frigoríficos pegos pela Operação Carne Fraca é importante, mas é preciso estender a ação governamental à maior parcela possível do mercado, pois há muita coisa sendo vendida sem garantia de qualidade.

Pelos cálculos de Thadeu, é possível que, por causa da suspensão temporária de exportações de carnes para alguns países, os preços desses produtos caiam nas próximas semanas. Será, porém, um processo lento, que tenderá a se refletir na inflação dos próximos três meses. Por isso, ele está revendo, para baixo, as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para março, ele estima uma taxa entre 0,20% e 0,25%. “Se realmente os preços da carne caírem, como espero, é possível que o IPCA encerre o ano em 3,5%”, afirma.

A demanda por carne, destaca Thadeu, já estava fraca antes do estouro da Operação Carne Fraca, devido ao encolhimento da renda das famílias. Com as restrições às exportações, a oferta interna aumentará. Num quadro de menos consumo e mais oferta, a tendência é de os preços baixarem. “Pelo menos para o Banco Central, a ação da Polícia Federal será positiva”, destaca. Inflação mais baixa permite que as taxas de juros sejam cortadas mais rapidamente.

Vicente Nunes 

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