segunda-feira, 26 de junho de 2017

Ali talvez bata um coração

Trocar língua por fita métrica. Talvez resolvesse tudo. Mas enquanto a medicina não alcança o nível de nossas sensibilidades, a gente tem que arranjar um jeitinho de viver. E viver já foi mais simples.

Hoje em dia a gente tem que tomar cuidado com o que fala. Medir cada palavra. Emitir sons precisos, claros, e, de preferência, que não contrariem qualquer opinião. Diante da impossibilidade deste objetivo, resta pouca coisa além da resignação.

E, parece, todos seguimos resignados com este destino. Talvez sejam estes os primeiros tempos em que as palavras tenham sofrido separação forcada do pensamento. Interessa cada vez menos o que se acredita. E cada vez mais a forma como se diz.

Fizemos opção pela supressão da expressão das ideias em detrimento da troca de conhecimento ou pontos de vista. Coisa até compreensível. Conviver com as diferenças é difícil. E humano. Todo mundo gosta de diversidade de opiniões. Até que ela acontece.

Houve época em que acreditamos que a tecnologia resolveria tudo. Traria intercâmbio de ideias. O acesso a informação motivaria a busca por conhecimento novo, diversificado. Cada um confrontaria suas crenças em uma busca constante de melhoria baseado no acesso a diferentes opiniões ou pontos de vista. Nada disso aconteceu. Enterramos mais esta quimera.

Cresce assustadoramente a quantidade de pessoas que buscam suas informações nas mídias sociais. Não buscam a melhor informação. Procuram apenas validar seus pontos de vista. Jamais testá-los. Relacionam-se com pessoas de opinião semelhante. E recusam aquelas que discordam. Tudo isso, claro, enquanto protestam contra a falta de tolerância e a abundancia do ódio. Vai entender.

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Debate e troca de ideias é coisa do passado. Fora de moda. Interações com o pensamento diferente é apenas entrincheiramento em eterna guerra de atrito e sem fim. Cada grupo com sua rede de muros construídos em nome de conceitos até muitas vezes aparentemente justos, destinados exclusivamente a uma guerra eterna e infrutífera pela hegemonia de pensamento.

Quem ousa contrariar a sabedoria convencional, é rotulado, combatido, ofendido e agredido. Parece não ter fim. As palavras não mais podem expressar pensamentos. E algumas palavras, defendem alguns, devem ser banidas. Junto com a liberdade de expressão de quem as pronuncia.

Culturas, defendem outros, não podem e não devem ser misturadas. Devem permanecer prisioneiras de muros imaginários ou imaginados. Afinal, creem, que quando livres, cultura poderia ser apropriada. E isso seria perigoso.
A pretexto de combater causas nocivas a humanidade, preferimos sufocar a liberdade de expressão. E com ela, potencialmente, a diversidade de opiniões. Isso custa caro. E é perigoso. Abre a porta para males muito maiores.

Talvez fosse mais produtivo se fizéssemos o contrário. Se permitíssemos a todos o direito de expressão, independente do seu conteúdo. Parece radical. Mas seria mais simples, claro, e melhor viver em um mundo em que as palavras representam o real pensamento de cada um. Sem muitos filtros. Sem proibição.

Não que seja agradável ouvir certas coisas. Mas, se a expressão de ideias que discordamos fosse permitida, aumentaria a probabilidade de que possamos modifica-las através do diálogo.

Que as diferenças sejam claras, discutidas, respeitadas e resolvidas. Que se expressem os detratores, os soberbos, os presunçosos, os maldosos, os mentirosos, e até mesmo os chatos de todo gênero. Que o façam a luz do dia. Não existe perigo nisso. Ignorância desaparece ao primeiro contato com a luz

E quem sabe até nos surpreendamos quando, às vezes, constatarmos que no peito deles talvez bata um coração.

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