sábado, 19 de agosto de 2017

Uma questão de confiança

A economia americana patina perto do pleno emprego. Parece uma aberração, mas é a equação que desafia os economistas no mundo todo. Lá se vão dez anos da crise de 2008 e, mesmo com juro real na casa de zero, só agora o americano começa a ter gastos comparáveis com os que tinha antes da crise. Alguma coisa se quebrou na economia americana, e, no momento, o objeto de estudo não é uma variável tradicional como as que regulam oferta e procura. É a confiança do cidadão no futuro. Trust, essa é a palavra. Tão importante que está impressa no dinheiro. In God we trust.

O assunto aparece num artigo recente da “Economist”: “As consequências econômicas da desconfiança americana.” Leva em conta indicadores que medem a confiança nos governantes, nas instituições, na Justiça e nas empresas. Nunca a corrupção dos agentes públicos e a desconfiança em relação à ética das empresas foram tão mal avaliados. Nos Estados Unidos.

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A palavra soa mais forte em inglês do que em português, tanto que desmoralizamos a confiança do cidadão, do consumidor, do eleitor ao longo da história. Trust carrega também a ideia de crença. Acreditar, crer, inclusive no sentido religioso, que a nossa prática política, mais que o dicionário, condena ao fogo eterno.

A falta de confiança trava tudo. Com a confiança em alta, o americano superou seus medos e elegeu Obama. Yes, we can. Sem confiança, os mecanismos de ajuste da economia parecem não funcionar. Pesquisas mostram que, apesar dos sinais de recuperação da economia, mais da metade dos americanos ainda desconfia que o futuro será pior. E a Casa Branca atira para todos os lados. Fire and fury, diz Trump.

O Brasil devia estudar melhor esta questão, quando o país enfrenta a paralisação dos negócios e o desemprego de 13 milhões de pessoas. É claro que quando se fala em corrupção e em desconfiança nas instituições, nossos patamares são outros. Mas, se tivermos clareza sobre os desafios do mundo atual, saberemos o que devemos enfrentar.

A confiança hoje é um problema da economia mundial, depois que o ciclo de globalização deixou de empurrar o crescimento dos mercados. Não é o motor da economia — nada vai funcionar sem investimento, tecnologia e produtividade —, mas tem sido o melhor combustível para o desenvolvimento.

Reuniões presidenciais sem agenda, votações compradas no Congresso e decisões controvertidas da Justiça não nos ajudam a construir a confiança necessária para tirar o país da crise. Não podemos nos deixar confundir pelos ganhos de ocasião de empresários e ruralistas que renegociam suas dividas e políticos que tentam salvar o pescoço. A economia não vai melhorar tão cedo, não da forma consistente que desejamos.

Não é que esteja faltando fé aos homens de boa vontade. O mundo que está em construção se baseia essencialmente na confiança. O que são os novos negócios que tanto nos inspiram, senão modelos colaborativos baseados na confiança?! No Uber você avalia o motorista, e seu vizinho pode escapar de uma experiência ruim. No Airbnb você escolhe apartamentos baseado no relato de outros viajantes. No Trip Adivisor hotéis, restaurantes e roteiros são “ranqueados” pelos usuários. De forma direta, sem intermediação, sem governo e privilégios, sem tribunais acessíveis para poucos. Um sistema que premia quem sabe trabalhar e afasta e pune quem não respeita a vida em sociedade. Tudo na confiança. A confiança não desapareceu. Apenas não a encontramos mais nas instituições que deveriam nos representar.

Luiz Cláudio Latgé 

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