domingo, 8 de janeiro de 2017

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Quanta barbaridade

Símbolos da falência do Estado, os massacres nos presídios de Manaus e Boa Vista, com quase nove dezenas de mortos, expõem outra barbaridade: apoios explícitos à matança.

E não só de irresponsáveis ou anônimos nas redes sociais. Nesse estágio de brutal incivilidade se enquadram o ex-secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio, para quem o melhor seria “uma chacina por semana”, e seus apoiadores de primeira hora, os deputados Fernando Francischini (SD-PR) e Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG).

Bruno Moreira Santos, transformado em Bruno Júlio por ser filho do deputado estadual mineiro Cabo Júlio, sempre foi um garoto problema. Seus antecedentes -- duas investigações por agressão a ex-mulheres e uma por assédio sexual a uma funcionária – deveriam ter impedido o presidente Michel Temer de nomeá-lo. Teria evitado um fecho tão nojento e deletério para uma semana em que seu governo só perdeu.

Temer, que demorou a reagir, e quando o fez foi impróprio e infeliz ao classificar a carnificina como “acidente pavoroso”, permitiu que seu governo colecionasse equívocos. A começar pelos graves tropeços do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, useiro e vezeiro em meter os pés pelas mãos. Desta vez, primeiro disse que a governadora de Roraima, Suely Campos, não pedira ajuda federal, tendo de voltar atrás ao ser confrontado com os ofícios em contrário emitidos por ela.

Tudo que Temer não precisava era de Bruno Júlio e suas declarações pró-morticínio.

E vieram do PMDB, partido do presidente, as defesas mais ardentes dos pontos de vista do ex-secretário de Juventude.

de-quem-e-a-culpa

Por mineiridade e proximidade, Newton Cardoso Júnior, filho do ex-governador mineiro Newtão, envolvido em várias denúncias de corrupção, disse que Bruno Júlio teve a “coragem de expressar a opinião e a indignação da maioria dos brasileiros”. Ex-secretário de Segurança do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), Francischini foi categórico: a sociedade aplaude quando bandido mata bandido.

O mais grave é que a maior parte da população crê mesmo que “bandido bom é bandido morto”. Pesquisa Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em novembro de 2016 dentro do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, aponta que 57% dos brasileiros concordam com a afirmativa, percentual que sobe para 62% nas cidades com menos de 50 mil habitantes.

Fruto provável da associação da exploração e da ausência do Estado, que cobra muito em impostos e nada ou quase nada devolve, e das curvas crescentes de criminalidade, o resultado da pesquisa traduz a descrença do cidadão no governo – em qualquer um, e em todas as esferas.

Mas, ao concordar com a premissa populista de morte ao bandido, esses parlamentares e outros da bancada da bala até podem agradar à plateia, mas prestam um gigantesco desserviço aos que dizem representar. Acirram o descrédito na cidadania, aguçam a violência, propagandeiam a medieval justiça com as próprias mãos, jogam a sociedade no colo das organizações criminosas.

A precariedade do sistema prisional brasileiro, seja nas instalações físicas, equipamentos e pessoal, seja nas estruturas de polícia e de Justiça, que não conseguem investigar, concluir inquéritos e processar em tempo razoável, não é culpa deste governo (de apenas cinco meses) ou exclusiva de um ou de outro. É de todos. Do Estado e da sociedade que só se atentam para o problema quando ele explode.

E ambos parecem só enxergar alternativas imediatistas – construir mais presídios, aumentar a segurança dos cárceres, discutir pena de morte.

Parecem não entender o que já foi testado e aprovado mundo afora. Nem prender mais nem matar mais pode solucionar o que só se resolve com o educar mais, principal matriz das nações desenvolvidas (e civilizadas).

Bandido bom é só o da literatura.

Dois nós górdios e o Brasil

Frente ao nó górdio — há 500 anos impassível esperando quem o desatasse e, segundo a lenda, ao fazê-lo, cumprisse o destino de conquistar a Ásia Menor — Alexandre, o Grande, puxou da espada e o cortou. Uma metáfora sobre como resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz.

Meu professor e ex-ministro Pedro Malan observou que, no Brasil, para cada problema complicado, há sempre alguém com uma solução simples, e errada. De fato, a metáfora do nó górdio só funciona baseada em lendas. Afinal, pela espada, a corda não permanece íntegra, mas cortada para sempre.

O Brasil está frente a dois nós górdios, e a visibilidade sobre como serão desatados é nula. Densa neblina favorece os iludidos sobre o poder da espada, seja ela para acabar com a “classe política”, com a corrupção, com as corporações, com o “gastar mais do que se arrecada”, com o rentismo, com as elites ou com o populismo, e assim por diante, cada um puxando seu fio.

Todos esses dibuks estão presentes e devem mesmo ser exorcizados, mas os dois nós górdios amarram de forma inseparável o rabo dos demônios que nos assombram. Afinal, “só existe uma ciência, a ciência da história”, como o velho Karl e seu amigo Engels escreveram, em frase genial da qual não gostaram tanto, pois a riscaram a lápis nos manuscritos da “Ideologia alemã”.


O primeiro nó é a morte da Nova República. Após tudo que veio à tona, só extrema hipocrisia pode admitir a possibilidade de que o atual sistema político-eleitoral recupere a legitimidade com remendos. Se o caminho for esse, a Ásia Menor jamais será conquistada, e o Brasil acabará consagrando a expressão “república gigante das bananas”. Por muitas décadas. Precisamos concreta, e não retoricamente, refundar a República.

O segundo nó górdio é a economia. Estamos no caminho certo para não morrermos (longe da praia). Afinal, em um país com a dívida pública em trajetória insolvente, como a nossa, o poder deve reconhecer o fato, dizer como vai fazer para mudar o rumo e começar a executar. Se não o fizer, cai. Da forma que for, variando com o estilo ou possibilidades de cada sociedade.

Mas, não morrer não é viver bem. Como escapar da armadilha dos países de renda média? Um nó górdio para uma sociedade tão profundamente desigual como a nossa.

O caminho principal é a educação e a valorização do conhecimento, claro. Para a população em geral e para nossas elites. Mas, convenhamos, a defasagem e o estoque de problemas são tão grandes que esse, o maior dos desafios, é estrada para muito tempo.

Precisamos encontrar uma inserção competitiva na economia global. E terá de derivar de visão estratégica, pois hoje a conjuntura da economia mundial está conturbada e imprevisível, ainda nos mares tempestuosos da grande recessão de 2008.

Como desatar dois nós górdios sem cortar a corda com a espada? Feliz 2017. Assuntos não faltarão.

Sérgio Besserman Vianna

Domingueira de filme e canção

Cenas de "Sweet November" ( 2001) de Pat O'Connor com Keanu Reeves e Charlize Theron

Previsões para 2017

Gosto de fazer previsões a cada começo de ano. Previsões antecipadas, que fique bem redundante. Pois muita gente faz previsão depois do fato acontecido. No caso da moça que apareceu grávida, há sempre um gaiato disposto a comentar:

– Eu sabia! Os pais davam muita liberdade a ela!

Ou no caso do rapaz que se matou:

– Eu sabia! Os pais não davam muita liberdade a ele!

Prever é a mais difícil das artes. Nenhuma bola de cristal funciona. Nem estrela, conjunção de planetas, ascendente e descendente, sonho, psicanálise, nada. O futuro é um segredo bem guardado. Senão, eu gostaria de saber os números de uma Mega Sena acumulada. Isso me bastaria para mudar de opinião. Pagaria de bom grado uma consulta ao futurólogo de plantão que me revelasse o resultado do sorteio.


De volta às minhas previsões de começo de ano. Gosto das trágicas. Fazem mais sucesso. Não dá Ibope dizer que muitas pessoas iniciarão um namoro que durará muitos anos. Coisa mais sem graça. É melhor prever que um avião cheio de gente cairá, sem sobreviventes. Claro que um grande avião cairá em algum lugar do mundo em 2017. Previsão certeira, portanto. Ou que haverá terremotos, tsunamis, enchentes, desmoronamentos nas encostas brasileiras durante as chuvas de verão etc. Tudo isso posso prever sem erro. É o que faz muita gente que sobrevive da ingenuidade alheia. Prevê o óbvio. Com uma linguagem capciosa que tenta lembrar grandes revelações ou segredos mágicos.

No entanto, farei uma previsão terrivelmente trágica. E estou 100% correto. Desde agora até o dia 31 de dezembro. É a seguinte: haverá corrupção à solta no Brasil nos próximos 12 meses. Não importa o Moro, não importa a PF, não importa a Justiça. Neste exato momento e nos muitos à frente, a bandalheira estará correndo Brasil afora e assim continuará. Ou você acha que o prefeito de São Nunca do Córrego Fundo se preocupa com o desvio que ele e seus vereadores fazem do dinheiro da merenda escolar? Ou que aquela obra rodoviária lá no distrito de Caixa Prego está superfaturada? Ou que o deputado não pega um por fora para ajudar o amigo empresário na aprovação de uma lei? Ou que as grandes bancadas do Congresso não estão atentas aos interesses que representam, mesmo que tenham de prejudicar o povo que as elegeu? Pois é, não há PF que chegue a São Nunca. Não há Moro para a nação inteira. E ele já deve estar louco para largar o papel de xerife.

Enquanto isso, nós trabalharemos, trabalharemos quase a metade do tempo para pagar impostos. Impostos sobre impostos. A garganta da viúva não tem fim. Ela quer mais e mais para alimentar a corrupção e a incompetência. E faço outra previsão: os impostos aumentarão em 2017. Subrepticiamente, na surdina, de madrugada, mas aumentarão. Em compensação, lembro-me de uma orgia de cobrança de impostos acontecida em Minas Gerais há algum tempo. Tentaram cobrar uma taxa total de 20%, menos da metade do que pagamos hoje. Sobreveio uma revolta. Sobreveio até um movimento que marcou a nação, chamado Inconfidência Mineira. Movimento heroico, hoje reconhecemos, comemorado do Amapá ao Rio Grande do Sul. Mudaram os mineiros ou perdemos a coragem?

Luís Giffoni 

Como o Japão praticamente extinguiu as mortes por arma de fogo

O Japão tem uma das menores taxas do mundo de crimes cometidos com armas de fogo. Em 2014, foram registradas no país seis mortes contra 33.599 nos Estados Unidos no mesmo período. Mas qual é o segredo dos japoneses?

Se você quer comprar uma arma no Japão é preciso paciência e determinação. É necessário um dia inteiro de aulas, passar numa prova escrita e em outra de tiro ao alvo com um resultado mínimo de 95% de acertos. Também é preciso fazer exames psicológicos e antidoping.

Os antecedentes criminais são verificados e a polícia checa se a pessoa tem ligações com grupos extremistas. Em seguida, investigam os seus parentes e mesmo os colegas de trabalho.

A polícia tem poderes para negar o porte de armas, assim como para procurar e apreendê-las. E isso não é tudo. Armas portáteis são proibidas. Apenas são permitidos os rifles de ar comprimido e as espingardas de caça.


Únicas armas de fogo permitidas: as de caça e de ar comprimido 
A lei também controla o número de lojas que vendem armas. Na maior parte das 47 prefeituras do Japão, o número máximo é de três lojas de armas e só se pode comprar cartuchos de munição novos se os usados forem devolvidos.

A polícia tem que ser informada sobre onde a arma e a munição ficam guardadas - e ambas devem estar em locais distintos, trancadas. Uma vez por ano a polícia inspecionará a arma. Depois de três anos, a validade da licença expira e a pessoa é obrigada a fazer o curso e as provas de novo.

Tudo isso ajuda a explicar por que os tiroteios e massacres com armas de fogo são muito raros no Japão. Quando um massacre ocorre no país, geralmente o criminoso utiliza facas.

A atual lei de controle de armas japonesa foi criada em 1958, mas a ideia por trás dela remonta a séculos atrás.

"Desde que as armas chegaram ao país, o Japão sempre teve leis bastantes rigorosas," diz Iain Overton, diretor-executivo da organização não-governamental Action on Armed Violence e autor do livro Gun Baby Gun (Arma Baby Arma, em tradução livre).

"O Japão foi o primeiro país do mundo a criar leis sobre as armas e isso é a base para mostrar que elas não fazem parte da sociedade civil".

A população japonesa tem sido premiada por devolver armas antigas, algumas de 1685.

Overton descreve essa política como "talvez a primeira iniciativa para comprar armas de volta".

O resultado é um índice muito baixo de porte de armas: 0,6 armas por 100 pessoas em 2007, em comparação com 6,2 por 100 na Inglaterra e no País de Gales, e 88,8 por 100 nos Estados Unidos, de acordo com o projeto Small Arms Survey, do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra, na Suíça.

Governador teme por sua cabeça

A imprensa, e estamos aqui incluídos, deve fazer hoje seu mea culpa. E fazê-lo porque o Estado do Amazonas é muito mal coberto, jornalisticamente falando. As distâncias geográficas tiram a atratividade da notícia, de modo que o leitor do resto do país não se coloca no lugar do noticiado, o que faz com que os fatos, de certa forma, não tenham a divulgação que merecem.

E por que falamos isso? Porque não é de hoje que a situação do Estado é periclitante. Há suspeitas, segundo O Globo, até de que o governador tenha recebido apoio político, para se reeleger, exatamente de uma das facções que praticou a barbárie no presídio. E mais, de acordo com O Antagonista, o governador recebeu doações de empresa que administra o presídio. Mas estas notícias ficam assim, como se tudo fosse normal. Não é. Não é. E não é.

De Manaus, já vieram outras tantas histórias estranhas envolvendo o atual governador (José Melo) . Ele é acusado de mil e uma coisas. Mas então como ainda administra o Estado, pergunta o leitor ? E a resposta é simples, e vem com outra pergunta.

O leitor sabe que ele é um governador cassado? Sim, o TRE/AM cassou o governador em janeiro de 2016. Ele entrou com recurso e inexplicavelmente o presidente do TSE não se dignou a pôr em pauta o caso para julgamento.


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Aliás, há, a nosso ver, um erro regimental no TSE, que deve existir também em outras Cortes. E explicamos. O processo, sendo liberado pelo relator (como é o caso do recurso do governador), deveria ir à pauta por ordem de liberação, sem que a escolha fique ao talante do eventual presidente. Mas há mais. No caso, o presidente do TSE está impedido, e mesmo assim o caso fica ao alvedrio do humor de S. Exa. em colocá-lo ou não em pauta.

Semana passada, vimos uma das consequências de ter-se um governador cassado há um ano comandando gostosamente o Estado mesmo sob acusações gravíssimas : ele teme que lhe cortem a cabeça, metaforicamente falando, mas pouco importa se dezenas são literalmente decapitadas.

Paisagem brasileira

Capela Santo Antonio, São João del Rei, Minas Gerais.:
Capela Santo Antônio em São João del Rei

O sino de Belém

Há alguns dias, lá no Reino Unido, alguém teve uma ideia interessante: reduzir a números o cotidiano dos mendigos de Londres, umas das mais ricas e cosmopolitas cidades do planeta.

Os resultados obtidos fariam corar de vergonha qualquer povoado miserável dos mais atrasados países do mundo.

Só para começar a conversa, apurou-se que 79% deles já foram vítimas de agressões físicas causadas por discriminação - em 35% dos casos, foram socados e chutados. 9% deles já serviram de "banheiro" - dormiam em paz (eu disse "em paz"?) na sarjeta quando alguém decidiu urinar em suas faces. Em 34% deles foram arremessados pedras e objetos diversos. Se nos limitarmos às agressões verbais, 48% já foram ameaçados e 50% insultados. Constatou-se, ainda, que 54% deles já foram vítimas de roubos e 7% de violência sexual.

mendigos fotografias my london calendário cafe art
O projeto Cafe Art deu 100 câmeras descartáveis para moradores de rua de Londres e convidou-os a registrar cenas com o tem “Minha Londres.” Oitenta das cem câmeras foram devolvidas e cerca de 2.500 fotos reveladas, entre elas, a de cima. 
Mas talvez o mais triste seja a constatação de que o Estado foi acionado em apenas 47% dos casos - os miseráveis de Londres simplesmente não acreditam nas instituições que deveriam defendê-los, material e moralmente.

Mas deixemos o Estado para lá. Afinal, o que de mais chocante constatou-se foi mesmo a falta de sentimentos humanos de larga parcela da população - das pessoas comuns, pois. Aliás, talvez esteja aí a explicação da omissão estatal.

Abro a janela de minha casa. Olho para fora. Começo a recordar as notícias dos mendigos em cujos corpos jovens abastados atearam fogo, pelas avenidas de nossas mais ricas cidades, e episódios de agressões tão brutais que resultaram em morte. E subitamente dou-me conta de que Londres é lá, é aqui, é em todo lugar.

Com o espírito estremecido, saio à rua. Contemplo a cena rotineira de alguns miseráveis preparando-se para mais uma noite na sarjeta, sob o silêncio cúmplice de tantos, a embalar as gargalhadas de escárnio dos Estados.

Eis que aproxima-se e aninha-se, dentre eles, um cachorro. Um vira-latas. Manso, ali estava mostrando respeito e afeto, não para rosnar ou morder - afinal, ele era apenas um cachorro, não um ser humano impiedoso.

Enquanto isso, há poucos dias celebramos o Natal. Era meia-noite, quando os sinos dobraram. Ouso dizer, com o poeta John Donne, que eles dobravam pela raça humana - que deveria, recordando Thomas Jefferson, mostrar temor diante de um Deus que, acima de tudo, é justo. Simplesmente justo.

Pedro Valls Feu Rosa

Cármen Lúcia precisa cuidar do Supremo que se encontra em estado terminal

Entre os onze integrantes do Supremo, o único que tem feito autocrítica a respeito dos gravíssimos problemas do tribunal é o ministro Luís Roberto Barroso. Depois de três anos de experiência, já tem opinião formada e vem dando sucessivas entrevistas apontando como melhorar o desempenho do STF e aprimorar a Justiça brasileira, enquanto os outros dez ministros permanecem num silêncio constrangedor. Como não podem contestá-lo, pois as críticas de Barroso são óbvias e inquestionável, fingem que não está acontecendo nada.

Esperava-se que a gestão de Cármen Lúcia na presidência significaria uma verdadeira revolução no Supremo, mas até agora não aconteceu rigorosamente nada. A única novidade é que a atual gestora mostra preocupação e tenta interferir em questões que não são diretamente da competência do tribunal.

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Neste sábado, reuniu-se mais uma vez como o presidente Michel Temer para discutir as chacinas nos presídios, um problema da competência direta do Executivo e indireta do Legislativo, que pode mudar leis penais e de procedimento carcerário. E o que o STF tem a ver com isso. Nada?
O fato concreto é que o Supremo não funciona a contento, muito pelo contrário. “Nos acostumamos com processos que duram 5 anos, 8 anos, 10 ou 12 anos. Aceitar isso com naturalidade é perder completamente a capacidade crítica do próprio trabalho”, diz Barroso, sem que nenhum outro ministro o apoie.

A comparação com o desempenho da Lava Jato chega a ser constrangedora. Em quase três anos de trabalho, os procuradores da República da Lava Jato conseguiram 120 condenações de investigados na primeira instância da Justiça, a maioria deles sentenciados mais de uma vez pelo juiz federal Sérgio Moro em Curitiba. Somadas, as penas passam de 1.257 anos de prisão.

O Supremo, quase dois após o início das investigações de envolvidos com foro especial, até agora não condenou nenhum investigado na Lava Jato. E apenas três ações penais foram abertas: uma contra o deputado Nelson Meurer (PP-PR); as outras duas contra Eduardo Cunha (PDMB-RJ), remetidas à primeira instância depois da perda do mandato, e o juiz Moro não teve dúvidas e o prendeu preventivamente.

Barroso tem razão em sua proposta de fazer uma revolução na sistemática do Supremo. Está tudo errado e não prazos para nada. E o número de processos só faz aumentar. Em dezembro de 2015, havia quase 54 mil processos no tribunal. Um ano depois a montanha de questões aumentara para 62 mil. O gabinete mais lotado de processos é o de Marco Aurélio Mello, que tem 8.051 ações aguardando decisão.

Como se sabe, o Habeas corpus é um pedido a ser julgado com prioridade, em defesa de qualquer pessoa que se achar ameaçada de sofrer lesão a seu direito, por autoridade legítima. No entanto, há mais de 3,3 mil solicitações que aguardam julgamento. Somente Marco Aurélio tem 1, 5 mil habeas corpus sob sua relatoria – o mais antigo é de 2008 (HC 94.189).

O pior de tudo isso é que, mesmo quando a questão consegue ser julgado, isso não significa que será feira justiça. As decisões de turmas ou plenário demoram muito a ser publicadas, às vezes decorrem anos entre o julgamento e a publicação. E o acórdão só é cumprido depois de publicado. Celso de Mello, decano do Supremo, leva (em média) 679 dias para publicar seus acórdãos. É estarrecedor, torturante e inaceitável!

Aonde isso vai parar, se não houver providências? E o que tem feito a presidente Cármen Lúcia?

A vicejante grama do vizinho

Desde a crise econômica global de 2008, o Paraguai vem, ano a ano, solidificando-se como uma das economias mais confiáveis da América Latina. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2016. Para este ano, há mínima variação na projeção, com o indicador estimado em 3,6%. São números bastante eloquentes, sobretudo quando comparados ao PIB projetado pelo Fundo para outros países da região no biênio 2016-2017, como Brasil (-3,5% e 0,5%), Argentina (-1,8% e 2,7%), Chile (1,7% e 2,0%), Colômbia (2,2% e 2,7%) e Uruguai (0,1% e 1,2%).

Isso ocorre por causa da adoção de exitosas políticas fiscal e monetária, de um rigoroso controle da inflação e da aprovação de uma agenda de reformas que incluiu a modernização das legislações trabalhista e tributária. Este pacote tem atraído um número cada vez maior de investimentos estrangeiros para o país, notadamente após a eleição do presidente Horacio Cartes, do Partido Colorado, em abril de 2013.

Cartes – dono de um conglomerado de empresas e um dos homens mais ricos do país – elegeu o combate ao desemprego como uma das marcas de seu governo. Como informa a reportagem de Fernando Scheller publicada no Estado, mais de 70% da população de 6,8 milhões de habitantes têm menos de 30 anos e grande parte deste jovem contingente atua na economia informal.

Mas não apenas as medidas econômicas recentes têm feito vicejar o boom paraguaio. Um dos mais eficazes instrumentos de atração de investimentos externos é a chamada Lei de Maquila, de 1997. A lei isenta do pagamento de imposto sobre remessas ao exterior todas as empresas estrangeiras que transferirem para o Paraguai as suas linhas de produção, exportando 100% dos bens produzidos no país. Estas empresas ficam obrigadas a recolher apenas 1% de imposto sobre o valor agregado (IVA). Os investidores contam ainda com a isenção do imposto sobre importação de bens de produção, o que permite a transferência de um parque industrial inteiro para o Paraguai sem a necessidade de reinvestimento em maquinário.

Além deste atrativo tributário, as empresas interessadas em investir no país são estimuladas pelos baixos custos de mão de obra e de energia elétrica. Sócio do Brasil na Usina de Itaipu, o país produz mais energia do que sua demanda interna, o que explica o baixo custo do insumo para as empresas.

Resultado de imagem para a grama do vizinho é mais verde

O Brasil – que registrou número recorde de desempregados no final do ano passado, de 12,132 milhões de pessoas – já responde por dois terços dos investimentos estrangeiros naquele país, segundo o Foro Brasil-Paraguai. Tamanha concentração de investimentos oriundos de uma economia ainda debilitada tem sido apontada pelo FMI como um possível risco à manutenção do crescimento paraguaio, não obstante a estrita observância aos fundamentos macroeconômicos no país. De fato, o volume de investimentos brasileiros no Paraguai em 2015 e 2016 manteve-se estável, na casa dos US$ 34 milhões. Muito longe, contudo, dos US$ 71,3 milhões investidos em 2014. Um claro reflexo da crise brasileira sobre a economia vizinha.

O ajuste da economia paraguaia não é fruto de nenhuma receita mirabolante. Como um irmão menor que é mais dedicado aos estudos e às tarefas de casa, o Paraguai deve servir de inspiração a seus vizinhos – principalmente Brasil e Argentina – por encampar uma resoluta observância aos fundamentos macroeconômicos e dar andamento a reformas estruturais, sobretudo trabalhista, previdenciária e tributária, de modo a atrair investimentos, gerar empregos, estimular a produção de bens de valor agregado e proteger sua economia das intempéries internacionais a que estão sujeitos os países marcados pela mera exportação de commodities.

Não é possível antever até quando a economia paraguaia se sustentará no atual estágio. Entretanto, mantida a política atual de respeito aos fundamentos macroeconômicos, a debacle, caso ocorra, terá sido por fatores externos.