quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A bravata de um homem mau

Let's crown Trump "King of the Village of Idiots" with his Medusa type hairstyle. You just can't keep your eyes off of it.:
Sou filha de refugiados. Meus pais, e uma parte muito pequena das suas famílias, tanto de um lado quanto de outro, tiveram sorte. Meu Pai, que falava português e era o único tradutor da língua na Budapeste dos anos 1930, escapou de um campo de trabalho graças a seu amigo Ribeiro Couto, que insistiu com o governo brasileiro, então simpático ao Reich, que desse um jeito de tirá-lo da Hungria, onde teria morte certa — como teve a maioria dos seus amigos. Anos se passaram antes que conseguisse trazer para cá a mãe, as irmãs e os cunhados. Sua primeira mulher, meu avô Miksa e meus tios morreram na Europa. Minha Mãe escapou porque, anos antes, numa briga com a comunidade judaica, meu avô Edoardo, só de birra, havia mandado batizar os filhos. Com isso, o Vaticano os considerou aptos a comprar vistos que o Brasil disponibilizara, gratuitamente, para “famílias católicas atingidas pela guerra” (para pagar o preço pedido, meus avós, que tinham uma boa situação econômica, foram obrigados a se desfazer de tudo o que possuíam).

Cresci ouvindo essas histórias. Cresci ouvindo como tantos parentes morreram porque não acreditaram que seriam mortos, e deixaram para fugir quando já era muito tarde. Cresci ouvindo como a Austrália recusou vistos para a minha família, como os Estados Unidos não quiseram recebê-la, como a Inglaterra a ignorou. Cresci ouvindo histórias de pessoas como eu, como vocês, como todo mundo — padeiros, médicos, músicos, burocratas — que morreram porque não tiveram a sorte dos meus pais, e não conseguiram encontrar um só lugar que as acolhesse, um só lugar para onde pudessem fugir. Cresci ouvindo que nunca poderíamos esquecer a História, e que nunca poderíamos deixar que se repetisse.

Eu não me esqueci.

Não consigo ver refugiados, seja lá de onde for, sem pensar nos meus pais e nas suas famílias. Penso também nos amigos deles, alguns com números tatuados nos braços, e nas histórias que contavam — os planos que ficaram pelo caminho, as profissões abandonadas, os parentes desaparecidos, as memórias de lugares que nunca veriam de novo.

Quando meus pais e seus amigos fugiram da Europa, o antissemitismo não se restringia à Alemanha. O mundo era um lugar hostil para os judeus. A maioria dos países proibia a sua entrada, e todos eles tinham argumentos muito “lógicos” para justificar a medida. Os Estados Unidos, por exemplo, negaram milhares de vistos, alegando que os refugiados poderiam ser espiões nazistas, e que atentariam contra a segurança nacional. O próprio presidente Franklin Roosevelt chegou a repetir, algumas vezes, a tese da infiltração de espiões — nascida de um único caso, descoberto em 1942.

A falha coletiva das nações ditas civilizadas em aceitar os refugiados judeus durante a Segunda Guerra deveria nos servir de alerta hoje. É impossível calcular quantos milhões de pessoas poderiam ter sido salvos, então, por um pouco menos de racismo e de omissão, e um pouco mais de compaixão e de humanidade.

As circunstâncias dos refugiados judeus de ontem e dos refugiados muçulmanos de hoje são outras; o mundo é outro. A humanidade, porém, é essencialmente a mesma, assim como é a mesma a dor dilacerante de deixar tudo para trás. A maioria das pessoas só quer viver em paz.
______

Há muita gente no Brasil imaginando que a posse de Trump foi um triunfo da direita, e como tal comemorando cada um dos seus gestos bombásticos. É um erro. Trump não tem nada a ver com nada. Ele é um homem ao qual faltam os princípios mais elementares de educação e de compostura, uma mancha moral na História do seu país.

Nos Estados Unidos não há presidentes de esquerda. Há presidentes de direita, e presidentes um pouco menos de direita. George W. Bush era inculto e equivocado, e seu governo causou mais danos ao mundo do que conseguimos dimensionar corretamente, mas, de certa maneira, até ele era uma pessoa melhor do que Trump: tinha uma camada de hipocrisia que permitia imaginar que, no fundo, aspirava ter alguma inteligência e sentimentos mais nobres. Trump nem isso. É assumida e orgulhosamente grosseiro, um vilão de caricatura que serve, como ninguém, como propaganda contra o próprio país. É um presente dos céus para extremistas de todos os tipos — sendo, ele mesmo, o mais perigoso deles, dono do maior arsenal e de uma divulgação universal inigualável.

É impossível avaliar o estrago de relações públicas causado pelo seu decreto que proíbe a entrada de refugiados nos Estados Unidos, para não falar na quantidade de vidas perdidas ou prejudicadas. A leviandade com que este ato foi promulgado põe sob suspeita a seriedade e as boas intenções de qualquer outro que venha a assinar daqui para a frente. Ele não é obra de um estadista consciente do seu lugar no mundo. É uma peça populista, um exemplo trágico de arbitrariedade, a bravata de um homem mau.

Cora Rónai

Hipocrisia marca abertura do ano no Congresso

No Brasil, a hipocrisia tornou-se uma forma de patriotismo. Nesta quinta-feira, os delatados Eunício Oliveira e Michel Temer se encontram com a homologadora de delações Cármen Lúcia. Vestidos com suas melhores roupas e munidos de suas maiores virtudes, os chefes dos três Poderes da República farão suas mais convincentes poses na sessão de abertura do ano legislativo no Congresso Nacional. Cada gesto, cada cumprimento, cada sorriso, cada frase dos seus discursos será uma pose. A sucessão de poses comporá um quadro plástico que ilustra, da forma mais paradigmática possível, o ponto a que chegou a política brasileira.

As cenas que a TV Senado transmitirá ao vivo não são opcionais. Prevista na Constituição, a sessão solene de abertura do ano legislativo ocorre sempre no dia 2 de fevereiro. Serve para que o Executivo e o Judiciário informem ao Legislativo seus planos para cada exercício. Em sua mensagem presidencial, Temer realçará a natureza parlamentar do seu governo, dirá que as coisas já estiveram piores na economia e pedirá empenho aos aliados para aprovar reformas duras de roer como a da Previdência. Na sequência, os microfones serão franqueados a Cármen Lúcia. Caberá ao delatado Eunício, eleito na véspera para suceder o réu Renan Calheiros no comando do Senado e do Congresso, pronunciar o discurso de encerramento.
A imagem pode conter: texto

Conhecido muldialmente como o país do jeito para tudo, o Brasil vai se revelando o país que não tem jeito. É como se existisse na nação uma falha estrutural. Uma auto-indulgência congênita que frustra todas as tentativas de reforma. Uma maldição mais forte do que o sentimento de culpa. Uma urucubaca que faz com que a hipocrisia conduza a uma constatação asfixiante: o escândalo, mesmo quando escancarado, é sempre menor do que o sistema de conveniências tácitas. Delatados e homologadora cumprem o protocolo pelo bem do país. A desordem passa a ser a nova ordem. Busca-se a retomada da normalidade a partir do aproveitamento da anormalidade.

É mais ou menos como disse Fernando Henrique Cardoso em entrevista ao blog no início da semana: “Está tudo caótico, tudo meio solto, todo mundo meio tonto. […] É nesses momentos de caos que o país consegue caminhar.” O ex-presidente tucano recordou seus tempos de ministro da Fazenda do então presidente Itamar Franco. “Havia uma situação caótica, semelhante à atual. Saíamos de um impeachment, tivemos o escândalo dos anões do Orçamento, o governo era de transição.” Deu no Plano Real. Mas o próprio FHC só é otimista até certo ponto. O ponto de interrogação. “Se a crise ficar muito grande, perde o controle”, ele disse.

No momento, a principal crise do Brasil é de semântica. Antes de concluir se o país avançará em meio ao caos é preciso combinar o que é uma crise “muito grande”. Convém definir quesitos, escolher critérios. “Muito grande” se mede pelos 81 inquéritos envolvendo 361 investigados da Lava Jato à espera de julgamento no STF ou pelas 120 condenações já sacramentadas por Sérgio Moro, somando 1.257 anos, 2 meses e 1 dia de cadeia? Que peso devem ter nos cálculos as 77 delações em que os corruptores da Odebrecht listaram duas centenas de políticos? Como contabilizar os três anos de recessão, os 12 milhões de desempregados e o desmantelamento dos serviços públicos?

Enquanto não se chega a um acordo que permita ao Brasil falar a mesma língua, Brasília vai divertindo a plateia com solenidades como a sessão de abertura do ano legislativo de 2017. Mas convém não exagerar no patriotismo. Por trás das poses das autoridades é preciso que exista uma noção qualquer de moral. Sob pena de os brasileiros imaginarem que o abismo, como o inferno da escatologia cristã, é mais uma ficção admonitória do que a realidade de uma crise terminal.

Fascínio dos vazamentos

Debate-se, em Brasília, se a divulgação dos detalhes da delação da Odebrecht de forma imediata seria melhor para o governo. Já que o vazamento periódico e seletivo traria muita inquietação.

A preocupação é válida por que o vazamento seletivo de informações tem ocorrido algumas vezes ao longo dos três anos da Operação Lava Jato e, como ocorre de forma periódica, instala-se uma expectativas sobre quando novas informações vão vazar.

Na relação mídia-sociedade existem, de modo geral, dois tipos de vazamento: o acidental e o intencional. O primeiro ocorre por acaso quando dados vazam por acidente e não intencionalmente.

Papéis encontrados ao acaso ou inconfidências ditas em restaurantes ou em lugares públicos podem revelar informações relevantes. Na Inglaterra, durante a segunda guerra mundial, posters recomendavam cautela nas conversas em público.

Já o vazamento intencional é praticado por quem tem acesso a informações relevantes e não deveria vazá-las por dever de ofício.


Por trás de todo vazamento intencional existe uma razão. Algumas são nobres; outras, táticas; outras são motivadas por interesses menores. Existem ainda vazamentos de informações que visam destruir a credibilidade de personalidades públicas.

Existe ainda, por parte de quem vaza as informações, o desejo de ser protagonista, ainda que anônimo, de grandes eventos da política. Sentem prazer de ver, no dia seguinte, as notícias produzidas a partir de suas informações.

O vazamento pode levar o carimbo de jornalismo investigativo, mas é preciso levar em consideração que este, no Brasil, é anêmico. As informações privilegiadas chegam às redações praticamente de bandeja, como parte de um processo já amplamente conhecido e recorrente.

Poucos escândalos brasileiros na redemocratização do país foram provocados por investigações oriundas da imprensa sem o apoio de algum vazamento deliberado. Por justiça, deve-se mencionar o papel essencial investigativo das revistas Veja e Isto É no impeachment de Collor.

O interessante, nos vazamentos, é que eles expõem o que deveria ser preservado, desvendam o anormal e injetam pressão sobre investigadores e investigados. A pressão sobre os envolvidos e sobre a opinião pública é um objetivo do vazamento: provocar atenção sobre determinado tema e causar uma intervenção em seu desdobramento. Um dos vetores do processo é a desconfiança de que, sem a pressão da opinião mediática, nada aconteceria.

Outro aspecto fascinante é que as autoridades prometem que vão encontrar os responsáveis pelas irregularidades, só que jamais conseguem. Teriam, de fato, essa intenção? Jamais um vazador foi descoberto no Brasil. Parece que temos, de um lado, desinteresse, de outro, cumplicidade.

As autoridades fingem que investigam e a imprensa não pode – nem deve – nomear suas fontes. Trata-se, simplesmente, de um dilema insolúvel. Por isso, os vazamentos devem ser vistos com cautela. Sempre servem a algum propósito. Podem esconder o que não interessa ser vazado; podem também ser editados para atingir certos objetivos. Notamos, em alguns vazamentos recentes, a documentação não vinha completa. Ou mesmo não era divulgada na íntegra. Podem, ainda, ser completamente falsos com o conhecido Dossiê Cayman na era FH.

Os vazamentos intencionais têm uma vertente pitoresca. Na Segunda Guerra, Ian Fleming, agente secreto inglês criador do personagem James Bond, propôs desovar, na costa espanhola, um cadáver cheio de informações falsas para enganar os nazistas. O golpe deu certo e está contado em livro.

Como disse o ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill, na guerra a verdade deve ser escoltada por muitas mentiras. A máxima vale para a política e, em especial, para os dias de hoje de hiper-realismo das redes sociais, de pós-verdade nas comunicações e de ativismo judicial. Daí todo o cuidado com o fascínio dos vazamentos.

Tom brasileiro

O tempo da Lava Jato no STF

A principal responsabilidade do novo relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) é tirar a impressão, já um tanto saliente, de que a Suprema Corte é o sepulcro das ações que envolvem acusados com prerrogativa de foro. Ainda que dura, essa apreciação encontra sólidos fundamentos na realidade. Ao longo dos últimos três anos, foram muitas as evidências de que existe um descompasso entre o ritmo, que diríamos normal, dos processos penais na primeira instância – especialmente em Curitiba, mas não apenas lá – e o passo lento das ações em Brasília.

Até dezembro do ano passado, 120 condenações decorrentes da Lava Jato haviam sido proferidas na primeira instância. Já o STF ainda não deu nenhuma sentença no âmbito da operação. Não há sequer um processo concluso para julgamento. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), até o final do ano passado, o que havia da Lava Jato na Suprema Corte eram 15 denúncias, 18 inquéritos abertos e 3 ações penais, com 48 acusados. Na primeira instância, 259 pessoas já foram acusadas.

Diante das críticas à disparidade do ritmo processual entre a primeira instância e o STF, mais de uma vez o ministro Teori Zavascki afirmou que a culpa pelo atraso da Lava Jato na Suprema Corte não era dos ministros, e sim da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Para corroborar sua afirmação, o ministro apresentou, no fim de 2016, um balanço da Lava Jato sob sua relatoria.

Fez notar, por exemplo, que, dos 74 inquéritos da Lava Jato que haviam chegado até ele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda não havia apresentado denúncia em 58 deles.

Seja qual for a parcela de responsabilidade de cada órgão pela lentidão dos processos penais no STF, o fato é que não têm andado em bom ritmo – e isso é preciso mudar com urgência. O descompasso entre a Suprema Corte e as instâncias inferiores vem provocando uma esquisita situação. Na primeira instância, os juízes tomam decisões às vezes inusitadamente enérgicas, enquanto o STF parece nada fazer. Com isso, a opinião pública tem aprovado, de forma cada vez mais contundente, os passos dados pelos juízes da primeira instância, mesmo que sejam juridicamente duvidosos.

Tal foi o caso da recente prisão preventiva de Eike Batista. O magistrado não apontou um fato concreto para justificar a medida, considerando suficiente afirmar que o empresário estava obstruindo a Justiça. Certamente, obstruir o trabalho da Justiça é motivo para decretar a prisão preventiva, mas é preciso mostrar como essa obstrução se deu de fato. A omissão, no entanto, não foi empecilho para o imediato aplauso da opinião pública à prisão.

Não é exagero dizer que o ritmo lento do STF vem contribuindo para esse desequilíbrio da opinião pública na avaliação das decisões da primeira instância. Logicamente, pelo simples fato de serem céleres, tais decisões não são necessariamente corretas, e é necessário que o Poder Judiciário tenha condições de corrigir, com presteza, eventuais equívocos.

O problema é que, com sua lentidão no julgamento dos processos penais – lentidão que não é exclusividade da Lava Jato, como o senador Renan Calheiros pode bem testemunhar, respondendo que está a procedimento quase a completar uma década de existência –, o STF perde autoridade perante a sociedade para corrigir os eventuais excessos das instâncias inferiores.

A situação agrava-se pelo fato de que na Suprema Corte não são julgadas penalmente as pessoas comuns, e sim as mais altas autoridades – os poderosos da República. Assim, o ritmo lento do STF só faz alimentar a ideia de que o foro privilegiado é instrumento de impunidade. Não é preciso muito para que essa impressão se torne tolerância com abusos judiciais que possam ocorrer na primeira instância, como se essa fosse a resposta adequada à aparente passividade da Corte superior.

São graves, como se vê, os efeitos sociais e institucionais de uma atuação lenta do STF. Cabe ao novo relator da Lava Jato no STF corrigir com diligência esse perigoso quadro. Urge que os famosos “tempos da Justiça” – infame desculpa para a morosidade judicial – se transformem em tempos de lei, e não em tempos de impunidade. Especialmente na Suprema Corte.

O império da lei e da ética precisa deixar de ser um mito

“Se não fosse essa odiosa excrescência do ‘foro privilegiado’, jamais seria forçada a tomar tal decisão, contra minhas convicções e contra a relevante finalidade do Supremo Tribunal Federal. Ficaria limitada a julgar somente alguns casos, já que a maioria estaria entregue (país afora) a juízes singulares”. Essa frase poderia ter sido pronunciada pela presidente Cármen Lúcia Antunes Rocha. Mineira de Montes Claros, a ministra homologou as colaborações premiadas de 77 executivos e ex-dirigentes da Odebrecht, que provocarão a abertura de inquéritos contra gente graúda, no poder e fora dele. Cármen Lúcia optou, todavia, pelo sigilo dos depoimentos. Uma decisão talvez sábia, mas que, como qualquer outra que porventura tomasse, ensejaria cisões.

Outros integrantes de nossa Corte Suprema, como o ex-ministro Carlos Mário Velloso, seu ex-presidente, concordariam com ela e ainda proporiam a revogação do foro privilegiado, herdado do Império, absurdo sob todo aspecto. Mas a verdade é que o Supremo Tribunal Federal, uma vez mais, agora com mais força, será sacrificado.

A operação Lava Jato é, por ora, um prenúncio de que boa parte do país persegue o verdadeiro “império da lei”. Uma miragem, mas, quem sabe, uma esperança. As testemunhas desse processo são as prisões de empresários e políticos (em menor conta) pesos pesados. Talvez seja, por outro lado, um prenúncio de que o Estado, protetor dos poderosos, tenha, afinal, sofrido forte abalo, na direção (outra miragem?) de sua função, que é a de dar atenção aos desvalidos.

Se a dinheirama que escorreu pelo ralo não só da corrupção, mas por meio dos mais diversos meios (“manda quem pode, obedece quem tem juízo”), tivesse sido investida na educação e na saúde, o país seria outro. Com absoluta certeza. E é isso o que mais dói.

Sei que é difícil acreditar, exatamente no momento em que a maior democracia do mundo (que sempre teve e ainda tem muito a desejar) corre sérios riscos nas mãos de um doidivanas (desculpe-me, mas existe outra denominação?), que, daqui para a frente, isto é, depois da Lava Jato, tudo será diferente, pois estará consolidado, enfim, em bases reais e sólidas, não o “governo dos homens”, mas o “governo das leis”.

A sensação que a Lava Jato tem despertado entre os brasileiros é a de que, felizmente, o país quer mudar e está mudando. A ética e o respeito à lei, que precisa exprimir o consentimento da maioria (e não das oligarquias), são os dois pilares fundamentais de seu futuro.

Ultrapassada a fase da homologação pela ministra, que, por sua vez, deu início às investigações pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, será divulgado o nome do novo relator da Lava Jato, outra missão difícil para Cármen Lúcia. Depois dessa definição, por sua livre escolha, e depois de se exercitar no bom senso e na prudência, o presidente Temer, conforme já informou, indicará o substituto do ministro Teori Zavascki, cuja nomeação só se dará após aprovação do nome pelo Senado.

O povo brasileiro estará atento não só à indicação do presidente, mas, principalmente, à verdadeira sabatina a que se deve submeter o indicado. Qualquer coisa que fuja disso desmoralizará, ainda mais, as instituições da Presidência da República e do Senado Federal.

E isso não será bom para ninguém. Bom mesmo será se a operação Lava Jato for o marco deste novo país a ser construído por gente que ainda acredita na Justiça. É nisso que devemos acreditar.

Até porque, leitor, nada nos custa.

Pobreza encurta a vida mais que obesidade, álcool e hipertensão

A evidência científica é robusta: a pobreza e a desigualdade social prejudicam seriamente a saúde. No entanto, as autoridades de saúde não dão a esses fatores sociais a mesma atenção que dedicam a outros quando tentam melhorar a saúde dos cidadãos. Um estudo sobre 1,7 milhão de pessoas, publicado pela revista médica The Lancet, traz de volta esse problema negligenciado: a pobreza encurta a vida quase tanto quanto o sedentarismo e muito mais do que a obesidade, a hipertensão e o consumo excessivo de álcool. O estudo é uma crítica às políticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que não incluiu em sua agenda este fator determinante da saúde — tão importante ou mais do que outros que fazem parte de seus objetivos e recomendações.
“O baixo nível socioeconômico é um dos mais fortes indicadores de morbidade e mortalidade prematura em todo o mundo. No entanto, as estratégias de saúde global não consideram as circunstâncias socioeconômicas pobres como fatores de risco modificáveis”, dizem os autores do estudo publicado pela The Lancet, cerca de trinta especialistas de instituições de prestígio como a Universidade de Columbia, o King’s College de Londres, a Escola de Saúde Pública de Harvard e o Imperial College de Londres.

Seu trabalho se concentrou nos dados de 1,7 milhão de pessoas para analisar como o nível socioeconômico influi na saúde e na mortalidade em comparação com outros fatores mais convencionais, como o tabagismo ou a obesidade. O resultado está de acordo com estudos anteriores: a pobreza é um agente que afeta a saúde de forma tão sólida e consistente como o tabaco, o álcool, o sedentarismo, a hipertensão, a obesidade e o diabetes. Além disso, a capacidade de encurtar a vida é maior do que vários desses fatores. O baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em mais de 2 anos (2,1) em adultos entre 40 e 85 anos; o alto consumo de álcool reduz em meio ano; a obesidade encurta 0,7 ano; o diabetes reduz a expectativa de vida em 3,9 anos; a hipertensão em 1,6 ano; o sedentarismo, 2,4 anos; e o pior, reduzindo a média de vida 4,8 anos, o hábito de fumar.


Pawel Kuczynski-Poland/Dec.,30,2012:
Pawel Kuczynski
A escolha desses fatores não é casual: são aqueles tomados pela OMS para combater as doenças não contagiosas no seu plano para reduzir sua incidência em 25% até 2025, o chamado objetivo 25x25. “Nossas descobertas sugerem que as estratégias e ações globais definidas no plano de saúde da OMS excluem de sua agenda um importante determinante da saúde”, criticam os pesquisadores, liderados por Silvia Stringhini, do Hospital Universitário de Lausanne. E acrescentam: “A adversidade socioeconômica deve ser incluída como fator de risco modificável nas estratégias de políticas de saúde locais e globais e no monitoramento do risco para a saúde”.

Da mesma maneira que se pode promover o abandono do hábito de fumar ou o esporte entre a população, o artigo defende que o fator socioeconômico também pode ser modificado em todos os níveis, com intervenções como a promoção do desenvolvimento na primeira infância, as políticas de redução da pobreza ou a melhoria no acesso à educação. Portanto, as estratégias de prevenção para as doenças crônicas estão equivocadas por não abordarem “poderosas soluções estruturais”.
Não é ideologia, mas ciência

“A força da evidência do efeito do nível social sobre a mortalidade, como exemplifica o estudo de Stringhini e seus colegas, agora é impossível de ignorar”, diz um comentário na The Lancet assinado por Martin Tobias, especialista do Ministério da Saúde da Nova Zelândia. Ele acrescenta: “Eles baseiam seu argumento não na ideologia política, mas na ciência rigorosa”. De acordo com o epidemiologista, ter baixo nível socioeconômico “significa ser incapaz de determinar o próprio destino, privado de recursos materiais e com oportunidades limitadas, que determinam tanto o estilo de vida quanto as oportunidades de vida”.

O pesquisador espanhol Manuel Franco, que não participou do estudo, acredita que “é importante que os autores mostrem que o fator socioeconômico importa, e importa tanto quanto os apontados pela OMS”. “A evidência diz que a desigualdade mata. Estamos interessados na saúde do país, tanto na dos pobres quanto na dos ricos? Esse fator não é atacado porque não interessa”, diz Franco, epidemiologista da Universidade de Alcalá de Henares, especialista nos efeitos dos fatores sociais e ambientais sobre a saúde.

Franco explica como nos países ricos (o estudo foi centrado em dados do Reino Unido, França, Suíça, Portugal, Itália, Estados Unidos e Austrália) há diferenças “insuportáveis” na expectativa de vida dentro da mesma cidade, como Barcelona, Madri, Glasgow ou Baltimore. “E a diferença não para de crescer: a expectativa de vida dos pobres não cresce como a dos ricos”, denuncia. E conclui: “Fazemos pesquisas para melhorar alguma coisa. Sabemos que existem fatores estruturais que prejudicam a saúde, mas as autoridades não querem atacá-los, preferem falar apenas dos fatores individuais: pratique esporte, não fume”.

Paisagem brasileira

Trecho de Praia com pedras, ao fundo, a Baía do Rio de Janeiro, João Batista Castagneto(1895)

Nada de novo na miséria nossa de cada dia

tutoriaisphotoshop.net:
Enkel Dika
O primeiro mês de um novo ano se foi. E nada de novo. Os dias seguem os dias na mesma batalha do homem contra a máquina massificadora que criou. 

O mundo está à disposição dele para maravilhas, mas prefere chafurdar no próprio lixo.

No Brasil, como peixes em águas de pouco oxigênio, procura-se a tona onde Aedes aegypti vêm se abastecer de chicungunha, zika, dengue, talvez, febre amarela. Boiam aí assassinatos, picaretagem, descaso público, corrupção. Há um sortimento de miserabilidade social e de desonestidade pública e notória. O somatório chama-se sofrimento de quem não rouba o Erário nem é picareta governamental.

Passado o primeiro mês, mais fatos ditos novos borbulham. Entra pela goela adentro dos brasileiros todo o lixo que vem sendo fabricado há anos.

E cada manhã o sol, agora de fevereiro, prenuncia mais um desanimador dia de de novas notícias que são velhas e velhas que se revelam novas como o aplique de Eike.

De governança verdadeira, para dizer-se "para o povo", neres de pitibiriba. Há muito para o bolso (deles) pago com carteira nossa. E a esperança nada mais é do que a incerteza do que será feito contra, porque a favor jogam forte os mandatários do poderes.

Luiz Gadelha

Sem freios...

Frequentemente o poder absoluto faz perder todo freio, mesmo aos soberanos mais simples, e gera o arbítrio
Ìtalo Calvino
Skull liberty:

Eike era parte da quadrilha que queria manter o PT


Falar do Eike Batista aqui é chover no molhado. Todo mundo já falou. Filho do mineiro Eliezer, um dos executivos mais importantes na ditadura militar, herdou do pai o mapa geológico do Brasil e virou bilionário da noite para o dia. Eliezer, na era militar, dava as cartas no setor de minas (Vale do Rio Doce) que dominou durante mais de trinta anos. O filho só começou a ser notado, com o fim da ditadura, depois do primeiro bilhão de dólares. Dai para frente, a sua excentricidade e a companhia de mulheres bonitas e badalas do jet-set carioca, atraiu a mídia e o levou ao mundo fértil da futilidade. Sua primeira mulher, Luma de Oliveira, chegou a desfilar, em 1998, seminua, de coleira com o seu nome, no Sambódromo, para o delírio do maridão que passava um recado aos mortais de que tinha a posse absoluta da bonitona.

Eike, que já era rico, ficou bilionário no governo do PT. Luciano Coutinho, o ex-presidente do BNDES escancarou os cofres do banco para que ele investisse em todas as áreas de infraestrutura. Tornou-se o rei do Rio – e do Brasil - ao se aproximar do ex-governador Sérgio Cabral, com quem manteve uma amizade promíscua e corrupta com o dinheiro público. O Midas fazia caridade com o dinheiro do contribuinte, uma espécie de filantropia para quem enchia os bolsos com empréstimos subsidiados do BNDES e de outros bancos oficiais. Agora, o barco afundou de vez. Preso e humilhado, só tem um caminho: abrir o bico.

Se o Cabral já vive o seu inferno astral, com a delação de Eike nada mais vai sobrar dele. É provável que mofe na cadeia durante muito tempo. E pelo andar da carruagem o futuro lhe reserva dias difíceis porque todos os seus bens serão indisponibilizados para ressarcir os cofres públicos. Quanto a Lula, o chefão de toda essa organização criminosa, dificilmente deixará de ser citado por Eike como seu principal aliado no desvio dos recursos públicos. Coutinho, que até então mantém-se longe dos holofotes, ainda terá que explicar os bilhões que saíram do BNDES para a conta de Eike e nunca mais voltaram.

Na verdade, o que houve no governo petista foi uma orgia financeira para manter o partido no poder por mais vinte anos. A organização criminosa consistia em distribuir recursos, fraudar licitações e enviar dinheiro para o exterior para alimentar o caixa da quadrilha que iria alimentar as campanhas do PT e dos seus aliados. Por isso é que as digitais dos empresários beneficiados estão em todas as campanhas políticas e em quase todos os políticos agora delatados por Marcelo Odebrecht e seus executivos.

Eike Batista é um desses personagens do grupo mafioso que de uma hora para outra se transformou em um dos sete homens mais rico do mundo, enquanto a economia brasileira entrava no caos pelas mãos de Lula e Dilma. Enquanto o dinheiro era surrupiado dos cofres públicos para alimentar a ganança das empreiteiras e dos empresários aliados a esses políticos corruptos, a recessão econômica comia os empregos. Hoje, mais de 12 milhões de trabalhadores estão desempregados. Nesse triste mutirão não estão os petistas. Muitos ainda trabalham no governo, outros ocuparam cargos no Congresso Nacional no acordo para eleger os “golpistas” e os demais estão acomodados nos sindicatos as custas da contribuição dos trabalhadores.

Como era de esperar sobrou para o povão. Os desempregados não têm nem o que comer. E os que estão no subemprego mal recebem para alimentar a família. Não à toa, muitos deles vão para as portas dos presídios esperar os políticos e empresários denunciados pela Lava Jato. Com cartazes de protesto, eles xingam todos de ladrões e canalhas, pois têm consciência de que esses senhores tiraram seus empregos e a comida da boca dos seus filhos.

Tolerância com o caixa dois?

Fecha-se o círculo, importando menos o nome do ministro do Supremo Tribunal Federal a ocupar as funções de relator dos processos da Lava Jato. Os mais de cem deputados e senadores, como também alguns ministros e o próprio presidente Michel Temer, comporão a chamada lista da Odebrecht, com as respectivas acusações.

Resultado de imagem para caixa dois charges
A maior dúvida é saber se todos os que receberam contribuições eleitorais através do Caixa Dois responderão por corrupção e se contra eles o Supremo abrirá processos. Pela lei, ficarão sujeitos à cassação de mandato, mas sendo seu número capaz de desfigurar Câmara e Senado, a pergunta é se os doutos ministros irão agir politicamente. Traduzindo: caixa dois bastará para afastar parlamentares ou será tida como falta leve, passível apenas de admoestações?

Existem outras irregularidades, desde barganhas entre ajuda eleitoral e aprovação de medidas provisórias, até desvio de verbas públicas. Além de tráfico de influência, peculato e tantas outras.

Não demora a divulgação da lista da empreiteira, ainda que os processos devam estender-se no mínimo até o fim do ano. Deputados, senadores, ministros e ex-ministros tentarão escapar, muitos sem qualquer esperança, mas a maioria confiando em que a suprema corte venha a adotar o critério político de só condenar aqueles efetivamente implicados na roubalheira, tolerando a Caixa Dois.

SEM EXPLICAÇÃO – Qual a explicação para as dificuldades criadas pelo presidente Donald Trump para a concessão de vistos dos Estados Unidos a cidadãos brasileiros? Adotaremos a recíproca? Torna-se necessária uma palavra do presidente Michel Temer. Quem sabe um gesto do chanceler José Serra?