quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A velha faixa do imperador

Gosto de metonímias. É o termo que se refere ao uso de uma palavra fora de seu contexto usual para denotar outro contexto em que a mesma possui uma relação. A parte pelo todo, em resumo. Por exemplo, uma roupa não é necessariamente um tecido. Pode ser um símbolo para classificação social. Uma representação de castas. Ou, somente, uma faixa. Depende do contexto.

Não acompanhei os desfiles das escolas de samba ao vivo, mas logo soube do carnaval que sucedeu. Uma figura se destacou. Com a escravidão através dos tempos como tema, a Unidos da Tuiuti expôs em sua última ala como a prática se perpetua na contemporaneidade. Regendo o carro, o “Vampiro Neoliberal”, um ser de cara fechada e pálida, ostentando uma cabeleira monstruosa penteada para trás e um terno preto brilhante. Ah, e uma faixa presidencial. Poderia ser uma faixa verde com linhas amarelas ao longo do corpo. Entretanto, para a maioria, foi o toque de Midas para fechar o personagem. Quando as campeãs retornaram à Sapucaí no sábado, o sinistro integrante estava presente. Sem sua faixa.

Na segunda-feira, foi publicada uma matéria com o presidente da escola Unidos do Tuiuti, Renato Thor, em que este afirma que a retirada da peça não se deu por temer represálias. Apesar disso, muitos acham que há algo omitido neste contexto. Uma simples mentira, talvez. Muito barulho por nada? Dá samba, com certeza.

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O lado bom em analisar os objetos é a possibilidade de nos aprofundarmos num tópico. Assim que o conhecimento nasce. Porém, outro lado da moeda consiste em nos perdermos justamente daquilo que buscamos em primeiro lugar. Podemos nos apegar a detalhes para preservar mais nosso senso de autojustificativa do que compreender o contexto criado. A diferença entre dinheiro e ouro dos tolos é sutil para quem tem convicções. Provas são alegoria, quando o olhar é capaz de mudar a forma.

Logo após o carnaval, outro grupo anunciou seu acesso ao Rio de Janeiro. A intervenção militar que dará fim à maré violenta que toma a cidade. Surge a certeza institucional de que abater pernilongos é a solução. Para quem está acostumado com febre malária e dengue, drenar o poço é um esforço desgastante. Se é um número de mágica cujos fios estão expostos, é ver para não crer. O que importa é que o cartão postal siga maravilhoso.

Logo, o reaparecimento do Vampiro Neoliberal torna-se relevante outra vez. Independentemente das intenções reais da escola de samba, é a imagem que o governo projeta. Uma criatura trevosa, que aproveita de seu porte para sugar sangue. Com sangue, o governo espera recuperar alguma popularidade. O enredo de insatisfações com o rumo do país prossegue por anos, enquanto o mestre-sala dança uma valsa em meio à bateria. O imperador está sem faixa há muitos carnavais. Será que, ao se olhar no espelho, sentiu falta de algo ao longo do peito? Afinal, se vampiros não têm reflexo, como ele pode saber que está nu? O todo pode ser apenas uma parte de uma questão maior. Olhe mais perto, mas sem perder as beiradas de vista.

Daniel Russell Ribas

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