terça-feira, 6 de março de 2018

Se foi 'jogada de mestre', o Rio está frito

"Jogada de mestre", as três palavras ditas por Temer ecoam as outras cinco ("tem que manter isso, viu?") que descarrilaram seu governo. O doutor nomeou um general para pacificar o Rio e criou um Ministério da Segurança. Braga Netto deu uma entrevista coletiva com perguntas previamente selecionadas, e quando os jornalistas fizeram um burburinho, ele informou: "Senhores, no grito não funciona". Verdade, mas, com perguntas selecionadas, também não. Ninguém deve esperar que o general seja obrigado a responder o que não quer, mas, todo dia, quando acorda, tem o sacrossanto direito de ficar calado ou de falar apenas por notas oficiais.


Se a intervenção no Rio foi uma "jogada de mestre", Temer pode ter entregue ao general a tropa da cavalaria ligeira da batalha de Balaclava, na guerra da Crimeia, em 1854. Jogada de mestre foi imortalizada num poema heroico de Lord Tennyson. Noves fora a marquetagem da época que era feita por poetas, aquela carga de cavalaria foi um desastre, mas durante algum tempo valeu a emoção do poema.
No mesmo palácio de Temer está o ex-governador do Rio Moreira Franco. Numa jogada de mestre, em 1987, ele também anunciou o império da lei e da ordem.

Temer pagou o vexame de dispensar o diretor da Polícia Federal, um fabricante de trapalhadas, que ficou no cargo menos de cem dias. Todas as suas encrencas atrapalhavam o combate à corrupção.

Poucas vezes se torceu tanto para que uma jogada de mestre dê certo. Até agora houve um teatro medíocre.

Bala perdida

Uma dessas coisas que só existem no Brasil, como a mula sem cabeça e o adicional de moradia que os juízes recebem para morar na sua própria casa, é a “bala perdida”. No resto do mundo as armas de fogo nunca disparam sozinhas; se uma bala acerta alguém, é porque um ser humano deu um tiro, de propósito ou por acidente. Aqui não. Toda hora uma pistola ou fuzil abrem fogo, mas ninguém atira. O fato é que nas favelas do Rio de Janeiro e suas vizinhanças a bala perdida tornou-se hoje a principal culpada por homicídios de autoria desconhecida. Mas não seriam os criminosos locais que estariam dando esses tiros que matam cada vez mais gente, sobretudo crianças? É uma hipótese que parece não ocorrer nunca no noticiário, e muito menos em qualquer avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil, da Anistia Internacional, dos partidos de “esquerda” e outras entidades que se empenham em defender os direitos da população pobre dos morros ─ no momento ameaçada, segundo elas, pela presença de tropas do Exército nas ruas da cidade. Pelo que dá para entender daquilo que dizem, não há realmente bandidos matando gente nas favelas. Quem mata é “a polícia” ou, então, a bala perdida.

Eis aí uma maneira muito eficaz de esconder quem são os verdadeiros responsáveis pelo massacre em câmera lenta que os moradores mais pobres do Rio de Janeiro estão sofrendo há anos. Se eles são assassinados pela bala perdida, então ninguém é culpado, certo? Afinal das contas, não dá para dizer que a PM mata todo mundo; também ficaria chato dizer que há quadrilhas em guerra, pois isso poderia “criminalizar a pobreza” e reforçar “preconceitos” contra as “comunidades” que cobrem os morros cariocas. Assim, quando os bandidos trocam tiros de AK-47, que podem acertar uma pessoa a 1,5 quilômetro de distância, e acabam matando alguém que não conseguiu se esconder, como é comum acontecer com bebês e crianças pequenas, o assassino é a bala perdida. Pronto, problema resolvido. Todo mundo já pode voltar ao palanque para continuar pregando que o inimigo do pobre é a polícia, agora também o Exército e, se bobear, o juiz Sérgio Moro e os desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre. Pensar desse jeito parece loucura ─ e é mesmo loucura. Mas quando se vê as coisas com um pouco mais de atenção, dá para perceber muito bem que existe um método nessa loucura.

A “bala perdida” vem da mesma matriz onde se fabrica a linguagem politicamente correta, no Brasil de hoje, para tratar da questão do crime. Tome cuidado: utilizar um vocabulário diferente pode fazer de você um “fascista”, “direitista”, “golpista”, a favor da “ditadura militar” e sabe lá quantos pecados mais. Nessa linguagem o criminoso é sempre descrito como “suspeito”, mesmo que seja pego em flagrante assaltando alguém no meio da rua. Quando a polícia atira contra quem está de arma na mão em público, ou atirando contra ela, os delinquentes nunca são chamados de bandidos ─ são “rapazes”, “moradores” ou “pessoas”. Por exemplo: “A PM atirou ontem contra um grupo de rapazes no Complexo da Maré”. Nunca acontecem tiroteios entre quadrilhas de marginais; são “disputas entre facções”. Estão em vigor, também, regras bem claras para estabelecer diferenças morais entre militares e criminosos quando ambos praticam um mesmo ato; basicamente, para quem não quer correr o risco de parecer um extremista de direita, o mais seguro é dizer que a conduta dos militares é do mal e a dos bandidos é do bem, ou neutra.

Quando delinquentes armados invadem uma casa da favela, obrigando seus moradores a escondê-los da polícia durante tanto tempo quanto quiserem, os defensores dos direitos da “comunidade” não abrem a boca. Também não dizem nada quando cidadãos inocentes são forçados a ocultar armas ou drogas em suas residências. Quando o Exército faz uma revista domiciliar a coisa muda: aí é uma violência contra a privacidade da população. Há grande preocupação da Ordem os Advogados, etc., com o fato de que os militares pedem e fotografam documentos de identidade, na tentativa de localizar foragidos da Justiça. Os bandidos sabem mais sobre os moradores dos morros do que o Exército, a polícia e a Justiça jamais saberão; sabem seus nomes e sobrenomes, endereço, ocupação, família, quanto dinheiro têm, quando devem pagar pela eletricidade, gás ou televisão a cabo, e mais tudo o que queiram saber. Não há lembrança de que isso tenha causado algum dia qual quer protesto por parte dos seus protetores nas classes intelectuais.

É “assim mesmo”, dizem eles ─ como a bala perdida.

Paisagem brasileira

Antonina, Paraná
Antonina (PR)

A conta infinita da orgia

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Esta é uma política de andar às cegas, considerando que a região virgem do capitalismo já está esgotada. Quem pudesse endividar-se, já endividou-se! Até, inclusive, os netos de vocês já estão endividados, não resta dúvida nenhuma. Eles – seus netos – continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista 
Zygmunt Bauman

Como qualquer cidadão

Num teatro de sombras e interesses, Lula reconheceu as habilidades Michel Temer. Para o ex-presidente, o atual soube se proteger de um golpe — como se estivesse acima de qualquer suspeita (entrevista que concedeu à Mônica Bergamo está aqui). Talvez, Lula meça Temer com sua régua, mas o fato é que ninguém está isento de ser investigado, se houver indícios para isto.

Nos últimos dias, porém, dois fatos sincronizados complicaram a situação do presidente, retirando-lhe a aura de exímio equilibrista que lhe é atribuída. Primeiro, frustrou-se a operação em que o ex-diretor-geral da PF, Fernando Segovia, insinuava arquivar os processos contra o presidente. Depois, os efeitos da intervenção barra forçada no RJ parecem, até aqui, pouco significativos para a diminuição de sua rejeição. Temer voltou a estar vulnerável.

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Sem manobras e sem perspectiva de continuidade no poder, haverá inevitavelmente um amanhã; o dia seguinte, que, sem blindagem, sem mandato e sem foro especial, Michel Temer terá mesmo que se submeter à Justiça de primeira instância, muito menos tolerante do que têm sido alguns dos ministros dos Tribunais Superiores. Sua cama, ao que parece, está sendo preparada.

No interior do processo de frustração aos planos de Temer, encontra-se Luís Roberto Barroso. O ministro do STF tem sido implacável nos embates com seus colegas refratários a investigar autoridades com foro privilegiado. Mas, também na condução, como juiz, de processos que envolvam essas autoridades.

Foi nessa condição que, ao puxar as orelhas de Segovia, impediu a trama carnavalesca do arquivamento. É assim, agora, ao definir a quebra de sigilo bancário do presidente e indicar que não haverá condescendência na instrução de um processo que deve seguir para além do mandato.

Não entro em e nem cabem a mim questões jurídicas que não domino. Não sei se Barroso age nos limites da lei e do direito. Deixo aos especialistas verdadeiros ou aos pretensos que façam essa discussão. O fato é que Barroso é hoje, o maior antagonista de Temer e dos ''com foro''. É ainda pedra no sapato que mais incomoda e não permite a grande pizza ''com Supremo, com tudo'', que Romero Jucá proclamou certa feita.

É da lavra Barroso uma das frases que, politicamente, melhor cabem à crônica destes dias: “eu via as malas, eu vi os dinheiros, eu vi a corridinha”, disse no plenário do STF. Ficará para a história, citada ao longo do tempo. E todo viram: são imagens que refutam argumentos que buscam impedir, pelo menos, a investigação dos maleiros e de suas conexões políticas e pessoais.

Imagens que aconselham apurar indícios, dúvidas e suspeitas. Claro, sem prejulgar. Como qualquer cidadão, Michel Temer merece investigação criteriosa, julgamento justo — se a ele for levado. Se é fato que não se pode afirmar que o presidente está envolvido com lambanças atribuídas a pessoas de seu grupo e confiança, tampouco se pode afirmar que não esteja.

Qualquer sujeito intelectualmente honesto sabe disto: ao presidente, não cabem privilégios que desmoralizem a política e a democracia. Como a qualquer cidadão. Até por questão de Justiça e igualdade — uniformidade de critérios, pelo menos —, considerações a respeito da governabilidade não cabem agora, como não couberam para o caso de Dilma Rousseff.

Ao embrenhar-se na defesa de Temer, talvez em causa própria, Lula se precipita como seu advogado político. Elevando-o à condição de vítima de um golpe, vislumbra o quê, um pacto? Ora, também viu ''as malas, os dinheiros, a corridinha”, embora pareça ter-se esquecido, por conveniência.

Analistas políticos dominam umas poucas ferramentas de análise: compreensão lógica de fatos e personagens; uns conceitos. Contudo, a coerência é matéria que vem do caráter: o que se exigiu em relação a Dilma, o que se defende em relação a Lula, deve servir, do mesmo modo, a Michel Temer. Como a qualquer cidadão, mesmo para quem não seja um cidadão qualquer.

Carlos Melo 

A vitimização de Lula

A taxa de racionalidade no processo decisório da sociedade tem se expandido na esteira da contrariedade contra os políticos. Pesquisas mostram uma expressão dura – chegando ao baixo calão – por parte de grupos de todas as idades e classes. Impressiona o alto índice de votos em “nenhum” candidato nos pleitos estaduais. A indignação até pode indicar “emoção” nas respostas, mas o fato é que o voto sai cada vez mais do coração para subir à cabeça. O eleitor quer decidir de maneira autônoma, livre de ondas emotivas.


Vejamos o caso de Lula. Em entrevista ao jornal FSP (01/03/2017), diz que sua condenação pelo juiz Sérgio Moro e pela 2ª Instância produzirá uma vítima “desnecessária”. Lula vai vestir por inteiro a fantasia de perseguido por um juiz que, para ele, deveria “ser exonerado a bem do serviço público”. O cenário com o petista condenado está desenhado. O povo não foi chamado a ir às ruas, disse, mas poderá fazê-lo, o que criaria imensa balbúrdia pelo fato de que pode “ganhar até no primeiro turno”.

Luiz Inácio é, sem dúvida, um líder carismático. Escolhe o discurso adequado aos momentos, usa o timbre rouco de voz, movimenta-se no palanque como nenhum outro para gerar empatia com plateias. Essa é a síntese do que se tem dito sobre as qualidades de Lula, também conhecido por “esponja” e “teflon”, pois absorve tudo (números, informações, contexto) sem deixar que nada negativo cole nele. Há, porém, uma dúvida a ser respondida ao longo do ano: essa é a moldura atual ou uma fotografia antiga?

A verdade é que o PT e seus líderes não são mais pregoeiros da verdade. Desde o mensalão, descem a ladeira do precipício. José Dirceu, preso, vê seus bens indo a leilão; João Vaccari, ex-tesoureiro, continua preso; o ex-poderoso ministro Palocci está preso e, segundo Lula, “quem faz delação quer ficar com uma parte daquilo que se apoderou” (sobre seu ex-braço direito). O próprio ex-presidente tem seu nome envolvido diariamente na fogueira da Lava Jato. Será que nada cola nele? Ou será que o petismo ainda acredita ser o partido ético, revolucionário e distante da roubalheira na Petrobrás? Seria uma conspiração norte-americana para se apropriar do nosso petróleo? É o que garante Lula, quando diz que interessa a eles “o fim da lei que regula o petróleo”.

É fato que o ex-metalúrgico é líder nas pesquisas. A campanha nem começou, mas ele e Bolsonaro já iniciaram sua perambulação eleitoral. Pouco provável que mantenham os bons índices ante o bombardeio que virá. Mas as ruas poderão ser inundadas com bandeiras vermelhas se houver barreira à candidatura de seu ícone. Que poderá tentar acender o pavio de fogueiras nos Estados. Atenção: o carisma não é uma fonte inesgotável. Pode ser corroído pela rotina de escândalos.

O Brasil está mudando.
Gaudêncio Torquato

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Santa ira

Se Deus é bom, por que sua ira recai sobre os homens e não apenas o seu amor? Essa é uma pergunta que teólogos responderam dizendo que Deus não era mau e que a Sua ira santa era o caminho que levaria os cristãos pecadores à redenção e ao paraíso. Afinal, o contrário da bondade e do amor não seria a ira, mas sim a indiferença – essa a atitude a ser temida, pois significaria que Deus não acreditava no poder de regeneração das almas pecadoras.

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A ira santa de Deus popularizou-se como a santa ira dos homens ou a ira do bem. Ela aparece na explosão indignada de quem não consegue assistir passivamente ao que é injusto, incorreto ou amoral. A santa ira vem de dentro e invoca a razão e a ética em defesa do que é certo. Sem ela, não há transformação, só apatia. Mantém-se o status quo e vai-se adiante, mas sempre um pouco pior.

Mais ou menos como estamos hoje no Brasil. Somos diariamente bombardeados por notícias e fatos absurdos e vamos nos acostumando, numa condição de normalidade surreal.

Somos o País que concede, com dinheiro público, auxílios moradia, educação, alimentação, livros, etc., para aqueles que têm estabilidade de renda, enquanto não conseguimos prover saúde ou educação de qualidade, gratuitas, para quem não pode pagar. Convivemos com uma associação de juízes que promove greve em favor do desrespeito à lei ao mesmo tempo em que defende o cumprimento das leis pelos outros. Temos o sistema de Previdência mais injusto do mundo, que transfere recursos públicos para os que estão no topo da distribuição de renda, que permite aposentadorias precoces e generosas para alguns e que faz multiplicar o número de filhas de militares solteiras-casadas. Afinal, aqui o direito se adquire mesmo que a condição não esteja presente e apesar do risco concreto de deixarmos todos ao relento.

Concedemos incentivos fiscais e desonerações sem avaliar seus resultados e nos convencemos de que não são renúncia de receita, e sim subvenção a investimento. Fomentamos uma indústria nascente há mais de 60 anos e tributamos de forma regressiva, fazendo aqueles que ganham menos pagarem mais. Convivemos com um sistema tributário caótico e combatemos a falta de uma política de desenvolvimento regional com uma guerra fiscal que incentiva a alocação ineficiente de recursos. Mas preferimos não atentar para os caminhões trançando o País em estradas esburacadas, consequência da falta de capacidade de investimento do setor público.

Promovemos anistias fiscais anuais, premiando quem não paga imposto em detrimento dos que encaram a alta carga tributária como obrigação cívica. O que arrecadamos financia uma máquina pública enorme. Ao mesmo tempo, garantimos aumentos salariais descolados dos aumentos de produtividade e desconectados da qualidade do serviço que o cidadão recebe. Contratamos via concurso público sem planejamento, mas convivemos com escolas caindo aos pedaços e hospitais sem remédios. A Lei de Responsabilidade Fiscal virou “lei para inglês ver”, pois fazemos de conta que o que se paga de salário não é salário, mas a cada mês valores maiores são transferidos à conta de despesa de pessoal e menos sobra para investimento. Nesse desbalanço, o servidor também paga a conta. Basta ver os atrasos de salários e aposentadorias Brasil afora, as condições de trabalho e, muito mais trágico, o recorde de assassinatos de policiais no Rio de Janeiro.

Ah, o Rio... esse foi tomado de assalto. Afundado no caos, ainda assiste à resistência dos poderes locais a uma completa revisão institucional, como se a saída do fundo do poço fosse cavar mais fundo.

Diante de tantos absurdos, está nos faltando a santa ira, a ira do bem. Aquela indignação cívica que não admite a injustiça e motiva as necessárias transformações. Aquela força difusa, a única que pode recolocar o eixo de leis e políticas públicas de volta no cidadão. É hora de resgatar a razão. Somente a santa ira nos levará a um outro Brasil. O Brasil em que queremos viver.

Desligada da realidade a bem próprio

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A elite vive apartada da sociedade brasileira desde a escola. E aparentemente, como se nada estivesse acontecendo
Cao Hamburger

Supremo decreta intervenção na ficção de Temer

Num instante em que o governo prepara o lançamento de uma campanha publicitária para trombetear as realizações de Michel Temer, o Supremo Tribunal Federal joga lama no chope do presidente. Em apenas quatro dias, Temer foi empurrado para dentro de um inquérito sobre propina da Odebrecht e teve o sigilo bancário quebrado em investigação sobre a troca de favores portuários por mais propina. As novidades enferrujam a pretensão do Planalto de influir na sucessão.


Há na praça uma espécie de presidente dois em um. O Temer denunciado duas vezes e varejado num par de inquéritos é assustador. O Temer “reformista” e “corajoso” é um homem realizado, com o qual muitos gostariam de trocar um dedo de prosa sobre tudo o que hove depois que ele deixasse a Presidência —de preferência na semana que vem. Mas é impossível não tratar os dois como um só, pois a falta de ética do primeiro anula a boa intenção do segundo.

Após decretar intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, Temer assiste à intervenção judicial em sua biografia. As iniciativas dos ministros Edson Fachin (caso Odebrecht) e Luís Roberto Barroso (quebra do sigilo bancário) são pedagógicas. Ajudam o brasileiro a entender que está lidando com dois tipos de criminosos: os absolutamente sujos, que operam nas cadeias e nas favelas, e os supostamente limpos, que atuam nos gabinetes.

O criminoso sujo é matéria-prima para que o criminoso limpo tente manter intacta a anormalidade de sua vida normal. Ao decretar guerra ao crime organizado do Rio, Temer manteve viva a realidade paralela que construiu para viver com seus amigos. Ao intervir nas contas do presidente e do seu séquito de amigos, o Supremo retira de Temer e Cia. a proteção de habitarem numa ficção.

A Era do algoritmo chegou e seus dados são um tesouro

O que têm em comum as menções nas redes sociais ao turismo de Moçambique, a coleta de resíduos na cidade espanhola de Haro e a eficiência energética dos edifícios registrados no cadastro? Em princípio, nada. Mas uma visita à sala de monitorização de eventos da Indra basta para encontrar o nexo entre elementos tão díspares.

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Aqui, nessa sala repleta de telas com luzes piscantes, um grupo de engenheiros controla 24 horas por dia, sete dias por semana, a informação que recebem de uma infinidade de processadores. Eles observam a evolução desses indicadores, e enviam suas conclusões aos clientes que contrataram seus serviços, sejam empresas privadas e administrações públicas. Esse é um excelente lugar para compreender por que os algoritmos se transformaram no segredo do sucesso de muitas grandes empresas: um segredo que lhes permite canalizar um fluxo ingente de informação para tomar decisões fundamentais para sua atividade.

Dessa sala-observatório da Indra na cidade espanhola de San Fernando de Henares, José Antonio Rubio explica que é aqui onde gigantescas quantidades de dados são transformadas em conhecimento suscetível de ser monetizado. “Os algoritmos não têm só a capacidade de explicar a realidade, mas também de antecipar comportamentos. É uma vantagem para evitar e minimizar riscos e para aproveitar oportunidades”, afirma Rubio, diretor de Soluções Digitais da Minsait, a unidade de negócio criada pela Indra para encarar a transformação digital.

Não é novidade que as empresas obtenham dados da analítica avançada para estudar características do produto que planejam lançar no mercado; o preço que se quer colocar e até decisões internas tão sensíveis como a política de retribuições aos seus funcionários. O surpreendente é a dimensão. Não é só o fato de que recentemente o número de dados em circulação tenha se multiplicado a volumes difíceis de se imaginar — calcula-se que a humanidade gerou nos últimos cinco anos 90% da informação de toda a história. Também cresceram vertiginosamente as possibilidades de interconectá-los. A palavra revolução corre de boca em boca entre acadêmicos e gestores empresariais em contato com o florescente negócio dos algoritmos e o chamado big data.

“A primeira revolução chegou há alguns anos, com o armazenamento de imensas quantidades de dados procedentes das pegadas eletrônicas que todos nós deixamos. A segunda, na qual estamos imersos, vem da capacidade que tanto os empresários como os usuários e pesquisadores têm de analisar esses dados. Essa segunda revolução procede dos algoritmos supercapazes e do que alguns chamam de inteligência artificial — mas que eu prefiro denominar de superespecialistas”, explica Esteban Moro, professor da Universidade Carlos III de Madri e do MediaLab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de Boston.

Essa segunda revolução conta com a ajuda de cada uma das milhões de pessoas que todo dia entregam seus dados de forma gratuita e contínua, seja publicando uma foto no Facebook, comprando com cartão de crédito ou passando pelas roletas do metrô com um cartão magnético.

Na esteira de gigantes como Facebook e Google, que baseiam seu enorme poder na combinação de dados e algoritmos, cada vez mais empresas investem quantidades crescentes de dinheiro em tudo o que se relaciona com big data. É o caso do BBVA, que aposta tanto em projetos invisíveis para clientes — como os motores que permitem processar mais informações para analisar as necessidades dos usuários — como em iniciativas facilmente identificáveis, entre elas a que permite que os clientes do banco possam prever a situação de suas finanças no final do mês.

“Faz décadas que o setor financeiro usa modelos matemáticos. Nos anos setenta, o cliente de um banco vinha definido por muito poucos atributos, como lugar de residência, idade, profissão e renda. Hoje, contudo, ele deixa uma pegada digital muito profunda que nos ajuda a conhecê-lo para personalizar nossa oferta de serviços e minimizar os riscos. A novidade é a profundidade dos dados e a capacidade analítica”, afirma Juan Murillo, responsável pela divulgação analítica do BBVA. “O grande desafio agora é ver como todos esses dados se transformam em valor, não só para a empresa, mas também para os nossos clientes e a sociedade.”

As amplíssimas possibilidades oferecidas pelos algoritmos não estão livres de risco. Os perigos são muitos: vão da segurança cibernética — para fazer frente aos hackers e ao roubo de fórmulas — até a privacidade dos usuários, passando pelos possíveis vieses das máquinas.

De fato, um recente estudo da Universidade Carlos III concluiu que o Facebook controla, para uso publicitário, dados sensíveis de 25% dos cidadãos europeus, que são categorizados na rede social em função de assuntos tão privados quanto sua ideologia política, orientação sexual, religião, etnia e saúde. A Agência Espanhola de Proteção de Dados já impôs em setembro uma multa de 1,2 milhão de euros (4,8 milhões de reais) à rede social de Mark Zuckerberg por usar informações sem autorização.

A segurança cibernética, por sua vez, transformou-se na principal preocupação dos investidores do mundo todo: 41% se disseram “extremamente preocupados” com esse assunto, segundo a pesquisa Global Investors Survey de 2018, publicada nesta semana pela PwC. “Um problema dos algoritmos é que carecem de contexto. Podem fazer maravilhosamente bem uma tarefa, mas, se você os tirar dessa atividade, vão falhar de maneira estrepitosa. Uma empresa que realizar uma fusão com outra terá que aprender a treinar de novo os algoritmos da companhia que absorver. Para isso, é preciso saber como eles foram criados”, afirma Moro, o especialista do MIT.

De volta à sala de monitorização da Indra, Rubio destaca as diversas utilidades que oferece aos clientes. Por motivos de confidencialidade, ele não pode falar das dezenas de empresas às quais fornece informação. Por isso, cita exemplos um tanto exóticos, como o turismo em Moçambique e os resíduos de Haro. Quando termina, a pergunta gira em torno da possibilidade de que os algoritmos tenham se transformado no tesouro mais valioso das empresas. “Definitivamente, sim”, responde, sem hesitar.

E os riscos? As máquinas assumirão o lugar dos humanos? “Isso é algo que preocupa. Tudo o que não conhecemos gera desconfiança. Mas a tecnologia nos permite limitar os riscos e aproximar as indústrias digitais das pessoas. O risco é inerente ao ser humano, não às tecnologias”, conclui Rubio.

Gente fora do mapa

Vivendo com um dólar por dia

As 'luléculas' de vocês

Lula nunca foi modesto. Já se comparou a Jesus Cristo, Tiradentes, Nelson Mandela e tantos outros quantos lhe convenham à hora e ao tempo. O ex-presidente mais popular do Brasil tem muitos defeitos, mas nunca fez ou disse algo que não seja para se exaltar e engrandecer. Apequenar-se, nunca!

Dia destes, falando a seus prosélitos, aludiu aos juízes que ousam julgá-lo, condená-lo – e até aí ele é capaz de chegar ao paroxismo de seu espanto e de sua revolta – afirmando peremptoriamente: “Estão lutando com um ser humano diferente. Eu não sou eu. Sou a encarnação de um pedaço de células de cada um de vocês”. E acrescentou, no melhor estilo evangélico: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”. Não se assuste. O petista pode até exagerar na sua imodéstia, mas a verdade é que ele nunca precisou tanto dela quanto precisa agora.

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Neste momento, seus desafetos, adversários e inimigos podem dizer sem receio: o homem não é mais suspeito, réu muitas vezes, acusado, difamado; ele agora é – sem dúvida nenhuma – condenado por dois crimes abjetos para qualquer pessoa, mais ainda para um ex-dirigente sindical, um chefão partidário, eternamente no palanque para disputar o mais elevado cargo político do Brasil: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sim, o juiz Sergio Moro condenou-o a nove anos e meio de cadeia na primeira instância. E daí? Daí o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, confirmou a condenação e aumentou sua pena para 12 anos e um mês. Essa conta pode ser discutida, é possível argumentar que o tempo foi fixado para evitar uma prescrição próxima, pode-se alegar qualquer coisa em sua defesa nos tribunais. Menos uma: o fato está consumado. Fait accompli, diriam os franceses. A decisão de que o fato é criminoso, na Justiça brasileira, põe por terra o mimimi dos devotos da intelligentsia local e internacional de que ele é injustiçado e perseguido por golpistas da elite que não suportam o fato de ter permitido o acesso dos jovens pobres ao ensino superior e a suas famílias, o conforto de viagens aéreas. Fato é fato, gato é gato. E passado na segunda instância não pode mais ser contestado, revisto, alterado.

À espera de um veredicto benevolente do Supremo Tribunal Federal (STF), o conjunto imaginário das “luléculas” de todos os brasileiros não se contenta com a liberdade da qual se acha merecedor pelo simples fato de ter sido parido por dona Lindu, com a graça de Deus, Nosso Senhor, seu parceiro de buraco no sítio Los Fubangos, não aquele de Atibaia, que ele jura não ser dele. Ele quer que a suprema graça de poder tomar cachaça com Cambuci, herdada da “Nonna”, avó de dona Marisa, de saudosas memórias, venha acompanhada de outro benefício: a prisão dos inimigos. Em entrevista exclusiva à colega Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, ele não fez por menos e exigiu: “A Justiça tem o tempo necessário para fazer a investigação correta e punir quem está errado. E quem deveria ser punido era o Moro, o MPF, a PF e os três juízes que fizeram a sentença lá. Essas pessoas mereciam ser exoneradas a bem do serviço público”. Execração, prisão, desonra pública e demissão para os inimigos. É pouco?

Trata-se de um desejo de difícil realização. Por enquanto, não tem mais como ser absolvido no primeiro dos sete processos judiciais a que responde e tudo o que ele poderia almejar seria adiar a chamada “execução da pena”, já decidida em segunda e definitiva instância, para Deus sabe até quando, se ele aceitar, quem sabe ao atingir a idade atual do ex-inimigo e ex-aliado Paulo Maluf. Uma hora, a julgar pela tradição, chegará o dia de cumprir a pena. Pode ser na cela comum, por falta de diploma universitário, ou em outra em que caibam seus seguranças e assessores pagos pelos contribuintes. Estes também são “luléculas”, aliás, filhos de Deus. Ou no conforto do apartamento em São Bernardo com tornozeleira e sem poder receber amigos, como, por exemplo, o compadre Roberto Teixeira.

Os amigos do peito da alta Justiça já providenciaram alguns confortos para seu futuro. Há pouco, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) transferiu processos em que é réu na 10.ª Vara Criminal Federal de Brasília, apesar das testemunhas ouvidas, das provas colhidas e tudo o mais pelo rigoroso juiz Vallisney de Souza Oliveira, para a recém-criada 12.ª. Todavia, como seu parceiro de cartas é misericordioso, mas também tem de cuidar de ser justo, por enquanto, a péssima repercussão da medida levou o TRF-1 a devolver os processos ao juiz que o tornou réu.

E impôs-lhe outro obstáculo irremovível. O principal deles é o juiz federal do Paraná Sergio Moro, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Pois não é que um dos tais “três juízes que fizeram a sentença lá”, justamente o relator Gebran Neto, ousou indeferir o pedido de sua diligente defesa para afastar esse magistrado do processo da Lava Jato que o acusa de ter recebido propinas das empreiteiras baianas OAS e Odebrecht na reforma de um sítio em Atibaia, que membros do MPF, também execrado por ele, afirmam que lhe pertence? O pedido foi baseado na lógica, não a de Aristóteles, Santo Tomás ou Santo Agostinho, mas na de Djalma Bom, o companheiro orador dos tempos das greves de metalúrgicos no ABC de Luiz Marinho. Acompanhe o raciocínio: Sergio Moro fez uma palestra numa reunião que tratava decompliance nas dependências da Petrobrás. Já seria suspeito pelo fato de o encontro tratar dessa mania de gringo, além do mais definida em inglês, compliance. Mas mais suspeito ainda seria o fato de a estatal contratar advogado para auxiliar da acusação do processo do tal do sítio. É o caso de exclamar: valei-me, Santa Bárbara! Pois então, o relator rasgou o tomo da suma do compadre Djalma dizendo que o tema da conferência do julgador nada tinha que ver com o objeto do tal processo em que Lula é réu e, pelo visto, está para ser apenado. Ora, ora,compliance não quer dizer boa prática de gestão, o contrário de corrupção? E não é de corrupção que o processo trata?

Outro episódio noticiado no mesmo dia em que a Folha publicou que ele jura que não se matará nem fugirá do Brasil, mas brigará até o fim, o Estado contou que o antigo parceiro e hoje abjeto delator premiado – e logo ele, que dizia condenar delação – Marcelo Odebrecht entregou à turma da Operação Lava Jato e a Moro e-mails de seu computador pessoal relacionando-o com as obras da reforma do sítio. E daí? Compadre Djalma Bom diria, pela lógica dele, que um bom amigo faz o que pode pelos amigos e pelos filhos deles. Como compadre Jacó Bittar está dodói na Ilha Porchat, caberia a Lula providenciar facilidades burocráticas para seu filho Fernando e o sócio dele, Jonas Suassuna, “verdadeiros” donos do sítio.

Já que é mais fácil nevar em Cuiabá do que Moro e os meninos do PowerPoint de Curitiba aceitarem o pedido da defesa de Lula de jogar no lixo da História os e-mails do filho do “amigo” Emílio, a batata do ex está assando e deverá torrar completamente em breve. Seja qual for a decisão dos amigos Dias Toffoli, Lewandowski e Rosa Weber e do ex-desafeto Gilmar Mendes no STF, mais uma condenação na primeira instância, com boa chance de ser corroborada na segunda, não será a melhor notícia para quem disse à entrevistadora amiga que só vai aventar a possibilidade de outra candidatura (do PT) “quando for confirmado definitivamente” que ele não é candidato. Afinal, o STF poderá até, como parece que vai fazê-lo, apesar do vergonhoso casuísmo que isso significará, adiar para as calendas gregas o momento da execução de sua (ou suas) pena (ou penas). Mas jamais impedir que um dia, que não seja o 31 de novembro dos recibos do aluguel do compadre Glaucos, ele seja proibido de circular por aí.

Em Brasília, até se comenta à boca pequena que ele não será preso agora, mas também não será candidato, e obterá de seus amigos dos altos escalões judiciários vista grossa para poder fazer campanha e participar de pelo menos quatro debates eleitorais apresentando um vice. Este, na hora H, receberá os votos que lhe forem destinados nas urnas eletrônicas em outubro e novembro. No reino da condescendência que permite a Dilma ser merendeira de escola por um rabisco na Constituição, tudo é possível. Só que isso nada significa para quem se acredita a soma “lulecular” de todos os brasileiros – ele só não definiu se seriam vivos e mortos ou apenas os atuais 200 e poucos milhões presentes na luta terrível de sobreviver a uma crise de 12,7 milhões de desempregados que os desgovernos seus e da afilhada Dilminha aqui implantaram. Para geral desgraça nacional.

José Nêumanne Pinto

O conturbado histórico de Temer na Segurança Pública

Ao decretar uma intervenção no Rio de Janeiro e criar o Ministério da Segurança Pública, o presidente Michel Temer colocou o combate ao crime no topo da agenda do seu último ano de governo. O assunto não é novo para o político veterano, que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo em duas ocasiões, nos anos 1980 e 1990.

Em maio de 2016, logo após assumir interinamente a Presidência, Temer fez questão de lembrar sua experiência na área: "Fui secretário de Segurança duas vezes e tratava com bandidos. Então, eu sei o que fazer no governo."

No entanto, suas duas gestões na área foram marcadas pela explosão nos índices de homicídios, conflitos com delegados e promessas não cumpridas. Elas também evidenciaram um padrão da sua futura carreira na política: o papel de substituto. Temer nunca foi a primeira opção, mas acabou herdando o cargo de secretário quando seus antecessores pediram demissão ou não tinham mais condições de permanecer à frente da pasta.


Se eu tiver conhecimento dela (corrupção), haverá punição imediata
Michel Temer, secretário de Segurança em 1984


Em janeiro de 1984, o governador de São Paulo, Franco Montoro (PMDB), havia perdido o segundo secretário de Segurança desde o início da sua gestão, iniciada apenas dez meses antes. O mais recente titular do cargo, Miguel Reale Jr. – que 30 anos depois seria um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff –, abandonou o posto alegando problemas pessoais.

Para o cargo, Montoro transferiu Temer, então procurador do Estado – e sem nenhuma experiência em segurança pública. Ao assumir, Temer fez declarações de efeito. Disse que iria ter tolerância zero com a corrupção policial: "Se eu tiver conhecimento dela, haverá punição imediata."

Ele também prometeu ser duro: "A polícia responderá com energia à violência do marginal. Ninguém desejará que no eventual confronto com a delinquência a polícia não responda com as mesmas armas e com firmeza. É violento o confronto."

Ao mesmo tempo, declarou que sonhava com o dia em que a polícia não precisasse mais usar armas e propôs a legalização do jogo do bicho.

Temer ficou no posto por dois anos. Colecionou algumas iniciativas que ainda são propagandeadas em suas biografias oficiais em sites do governo, como a criação da primeira delegacia da mulher do Brasil e a implementação de uma delegacia de direitos autorais. Forçou ainda mudanças na aposentadoria dos delegados com o objetivo de renovar a Polícia Civil.

Mas pouco fez para frear a tendência de crescimento da violência no Estado. Em 1983, São Paulo registrou uma taxa de 21,9 homicídios por 100 mil habitantes. No final de 1985, seu segundo ano no cargo, a taxa havia saltado para 25,1 – um total de 8.213 assassinatos. Na região metropolitana da capital paulista, o crescimento também foi dramático, de 30,4 em 1983 para 35,3 por cada grupo de 100 mil habitantes em 1985.

Temer chegou a culpar a pornografia pelos números alarmantes. "A divulgação do chamado sexo explícito, tanto no cinema quanto em meios escritos, atua como elemento de incentivo ao crime, já que essas mensagens atingem, sobretudo, as pessoas carentes, econômica e emocionalmente", disse Temer em 1985, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

No período, o então secretário ainda enfrentou o que provavelmente foi o primeiro movimento "Fora Temer", conduzido por um sindicato de delegados, insatisfeito com a falta de aumento salarial e com mudanças na estrutura das polícias.

Em 1985, durante uma assembleia da categoria, chegou a ser chamado de "secretário sinistro". Uma carta oficial assinada por centenas de delegados exigiu sua demissão, mas Montoro se manteve firme e defendeu seu secretário. Temer só viria a deixar o posto no ano seguinte para lançar sua pré-candidatura como deputado constituinte.

Em outubro de 1992, Temer voltou a seguir o roteiro de oito anos antes: foi deslocado da procuradoria do Estado para a Secretária de Segurança Pública. Desta vez, em meio a um quadro mais dramático. Seis dias antes de reassumir o posto, policiais mataram 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo. Era o massacre do Carandiru. O então governador Luiz Antonio Fleury Filho (PMDB) demitiu o secretário Pedro Franco de Campos e pediu que Temer ajudasse a recuperar a imagem da polícia.

Ao assumir o posto, Temer falou da importância de se investigar o episódio, mas suas energias foram mesmo canalizadas para acalmar os oficiais da PM, que temiam que o massacre prejudicasse a corporação. O secretário manteve o comandante-geral da PM no cargo e disse em um encontro com oficiais que a PM não seria "julgada por nenhum episódio isolado". O secretário não tomou nenhuma iniciativa para punir os envolvidos. O caso permaneceu nas mãos da Justiça Militar, que conduziu vagarosamente um inquérito até 1996, quando os autos foram remetidos para a Justiça comum.

Um ano depois do massacre, Temer ordenou que a Rota, uma das unidades que participou do massacre, voltasse às ruas com mais vigor. "Os bandidos parecem estar pensando que podem agir sem serem molestados", disse.

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